Conto é tudo o que o autor acha que é conto, magister dixt. Um mestre chamado Mário de Andrade. Certo, isto tem sido citado à exaustão. Mas, para começar, esta coletânea de Marcelo Moutinho - um bisneto ou tetraneto do Modernismo - suscita tal recorrência. Pelo seguinte: os seus relatos prescindem de uma história, ou estória, como queria Guimarães Rosa. Quer dizer: não dependem necessariamente de uma trama enovelada por um fio de tensão, a ser deslindado num final desconcertante. Em vez disso, o que temos neste livro são contos em tom de crônica e, aqui e ali, um pouco de prosa poética, com alguns achados bacanas. Por exemplo: “Partira fazia tempo, o futuro debaixo do braço...”
Aliás, o próprio autor abre o seu livro recorrendo a Clarice Lispector, para nos advertir: “Não se trata apenas de narrativa, é antes vida primária que respira, respira, respira.”
Seu texto, porém, está longe de ser primário. É leve, cadenciado e despretensioso: “Sem limpar os dedos, recolheu novamente as mãos, recostou um pouco o pescoço à esquerda, cotovelos no móvel, revirando os olhos para o espelho, antes de abaixá-los de vez - e chorou.” Marcelo Moutinho escreve como quem pinta quadros em cores vivas, enquanto sua memória se encarrega de esmaecê-las. O resultado é plástico. Pode conferir.”
Antônio Torres