Esta é a história de um francês exilado que aportou no Brasil em 1808. Seu nome, Guido Thomaz Marlière. Trata-se, na verdade, de uma biografia que foge aos moldes tradicionais, dentre outras razões, por concentrar-se em um período específico da vida de um homem e não em toda a sua existência. A escolha de enfocar estes anos da existência de meu biografado, e não quaisquer outros, justifica-se pelo fato de ser esta a metade de sua vida transcorrida no Brasil. Preocupei-me realmente com um objeto bem maior: o cotidiano dos contatos interétnicos, das relações sociais de luta, transculturação e circulação de poder e das formas de apropriação do ambiente natural nas regiões que Marlière percorreu durante sua passagem pelo Brasil. Pretendo conduzir o leitor a uma viagem pelo universo dos discursos que presidiram, no Brasil e em Minas Gerais, o empreendimento de civilizar, justificando a intervenção no âmbito das sociedades indígenas, com extensões para as elites agrárias e escravistas, mas também, e significativamente, para os setores mais pobres ligados à terra, seguidos de perto pelos degredados da Capitania, submetidos a trabalhos forçados.