Chico da Silva é um indígena que se avista da Avenida Leste/Oeste. Caminha na areia com quadros de dragões, toninhas e sapos. À noite ou ao pino do meio dia, passeia embriagado. O vai e vem dos carros de Fortaleza não enxergam Chico porque os carros de Fortaleza só percebem as placas dos shoppings. Há muitos anos e anos, muros cercam o Pirambu, e Chico quer derrubá-los dali com a força das tintas, levá-los de volta para a Europa-Bienal-de-Veneza. Encontrei Chico esculpindo um dragão num muro branco. Em pé, num tamborete de madeira, deu por mim, mas fingiu estar demais concentrado na escama da orelha do dragão. Ouço Chico esfregando verde-grama no reboco recém-caiado. Cada muro no Pirambu é alvo e com uma mancha encarnada no centro. O mar parou e um risco de avião cruzou o céu da costa cearense. Fortaleza morreu. Sangram as mãos do pintor para extrair de um caco de telha o marrom dos detalhes e o vermelho sai dele em borrões do suco das castanholas contra o muro. Tem época do ano em que Fortaleza espalha nas calçadas um pouco de jambo e é deste jambo que da Silva tinge os tijolos. O amarelo é do oiti que prega no dente da gente, coco-babão, Messejana. O resto do livro foi escrito no Museu dos Quadros, há mais de dez anos, não sei como escrevi, como anotei tudo num pedaço de folha e rasguei, no ônibus que me levava a Tabuba, Icaraí, Padre Andrade, São Paulo, Juberlano, e a mares de Quixadá e Quixeramobim. Ut in nam, cusantusanda nihicabo. O resto acabou.
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