O livro O nervo exposto: João Antônio, experiência e literatura é uma abordagem da obra do autor a partir dessa confissão de fracasso e da exposição de uma sensibilidade afinada com os perdedores. A imagem de boêmio que João Antônio propagou desde o início de sua carreira, acrescida de um ar de desleixo com o próprio texto, reiterado sistematicamente na década de 70, tem pouco a ver com a de arquivista zeloso que se verificou depois de sua morte.
João Antônio produziu e cultivou, uma após a outra, imagens de escritor que ele queria que fossem vistas pelo público, e uma identidade afim com o malandro acabou perdurando por toda a sua carreira literária, apesar de ter pretendido, na década de 70, ultrapassar o universo da malandragem para colar-se a de homem do povo. Vemos em seus textos, além das entrevistas e depoimentos, a afirmação de uma identidade de pobre, de humilde, de quem "cheira a povo". Também uma afirmação de homem sentimental e incompreendido está presente ainda no texto de apresentação de seu primeiro livro, Malagueta, Perus e Bacanaço, mas só viria à tona na década de 80, quando João Antônio estava interessado em recuperar a imagem de escritor preocupado com a fatura literária e em abrandar seu lado polemista, o mais conhecido do público.
Todas essas personas entrevistas no percurso de sua carreira estão a serviço de seus projetos político-literários e dão conta do grau de consciência que o escritor tinha sobre seu papel na cultura brasileira e a condição, para ele obrigatória, de interferir nos problemas que cercam os universos social e literário. O saldo da atuação como autor-produtor é uma literatura que se alimenta da tensão vivida por quem escreve tendo como horizonte a provocação de mudanças na sociedade, repleta de confissões de fracasso e descrença nos sistemas editorial e político brasileiros, nos quais João Antônio mais tentou interferir.
Ensaios