Ligada ao prestígio da História no quadro das humanidades, principalmente brasileiras, a ideia de que apresentar um autor, ou uma obra, ou toda uma literatura, é explicitar-lhe a circunstância, nada tem de inocente. Convive com um deslizar da interpretação do fato para o próprio fato e dispensa o observador, ele mesmo histórico, de assumir sua narrativa como narrativa.
Tomemos um exemplo. Nossos românticos contaram o país, sua natureza, seus primeiros homens, a palmeira e o sabiá, tal como os viram, desde seu ideal estético. Buscando alcançar, assim, a essência do espírito nacional, e escrevendo para um público nascente, consumidor de ideias e de folhetins, difundiram junto a ele este seu imaginário. Então, deu-se por estabelecido que aí começava o país, e que pensar a literatura era pensar a nação, e vice-versa. De deslizar, a equação tornou-se prestigiosa nos altos foros acadêmicos, e ao intelectual brasileiro passou a apresentar-se como iniludível a questão da formação, a ser posta nesses mesmos termos.
É disso que trata 'O sequestro do barroco na formação da literatura brasileira: o caso Gregório de Matos': das origens estabilizadas, de seu corolário simétrico, os fins acabados, e daquilo que desse enredo se exclui, o que vem antes do começo. São dois movimentos lógicos, um genealógico, o outro teleológico, e um terceiro movimento de subutilização freudiana da infância pátria e do que não lhe seria próprio, o Barroco literário. Incômoda para ouvidos delicados, a palavra "sequestro" inspirada em Mário de Andrada, que a tomava como sinônimo de "recalque", apenas que recobrir este último apontamento.