OS MANDARINS, obra polêmica e de admirável realização, reconstitui o período imediato à Segunda Grande Guerra, mostrando de maneira real e violenta a angústia, o atarantamento, a agressividade e a desconfiança que agitavam e dividiam as rodas intelectuais francesas. Analisa as lutas entre os elementos da , de Paris, dominada pela influência dos chamados . Redações de jornais, rodas de cafés, mesas dos bares da Margem Esquerda, encontro nas , conservam a atmosfera tensa provinda da Resistência, da miséria, do pavor, do perigo, das ameaças, dos campos de concentração, mas já prenunciam os novos embates que se vão ferir pelo mundo novo.
De fato, o livro inteiro é a história gradual da libertação do clima de guerra e do regresso à paz antiga.
Mas haverá possibilidade de retorno à vida outrora?
Esta é a interrogação a que o romance procura responder através dos solilóquios e dos diálogos dos personagens, homens e mulheres de duas gerações pertencentes ao jornalismo clandestino do tempo da ocupação nazista, agora empenhados em desenvolver uma empresa jornalística, de modo a ajudar o povo a reencontrar a paz e a tranquilidade. Tudo em volta vai provando, porém, a impossibilidade do retorno à existência de outrora. As criaturas, deformadas pela angústia e pelo sofrimento, sentem que outros são os tempos e as concepções de vida.
Essa alteração de conceitos, observada pelo ângulo existencialista, cria uma nova escala de valorees e subverte tudo: amor, sentimento, moral, princípios éticos, ideias políticas e faz, em consequência, proliferarem a amoralidade, a anarquia, a vingança, todas as formas de desequilíbrio. O homem perdeu suas bases: a tradição, a segurança, a fé, o respeito à moral estabelecida e aos códigos vigentes, a confiança no mundo de amanhã.
Em face dessa consciência desamparada, a grande romancista levanta o universo de seus personagens, paradigma duma época e duma sociedade em decomposição. Vale-se de processos anti-românticos por excelência, não recua antes os recursos mais crus, baseados nos moldes do naturalismo metafísico que norteia a literatura rotulada de .
Mas não é só. Simone de Beauvoir sabe captar as mais secretas tonalidades psicológicas através do luxo da própria narrativa e da arte extrema dos diálogos, de modo a apresentar com Os Mandarins um modelo de romance em sua mais avançada concepção.
Por tudo isso, e mais por seu significado de testemunho corajoso duma época convulsionada por concepções ideológicas e problemas éticos dos mais contraditórios; pela força dialética pela experiência da condição humana, esse livro vem sendo com justiça considerado um dos mais importantes da ficção de todos os tempos.
A tradução de autoria de Maria de Lourdes Teixeira, conserva todo o vigor estilístico da notável romancista francesa.
Literatura Estrangeira / Romance