Os motéis e o poder

Os motéis e o poder Murilo Fiuza de Melo...


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Os motéis e o poder


Da perseguição pelos agentes de segurança ao patrocínio pela ditadura militar




A presença de um general, que depois se tornaria presidente da República, na festa de inauguração de um famoso motel na Barra da Tijuca; o coronel, número dois do SNI, responsável por um mirabolante esquema de seguro oferecido a donos de motéis com o intuito de livrá-los do achaque da polícia e de fiscais; um padre pedófilo que reunia dezenas de fiéis à noite, com velas nas mãos, em frente aos motéis da Pampulha, em Belo Horizonte, para protestar contra aquela “chaga da sociedade”, constrangendo os casais que ali buscavam um lugar discreto para amar.

Essas são algumas das histórias descobertas pelos jornalistas Ciça Guedes e Murilo Fiuza de Melo e reveladas no livro “Os Motéis e o Poder - Da perseguição pelos agentes de segurança ao patrocínio pela ditadura militar”. A obra, a terceira assinada pela dupla, expõe as contradições do discurso em “defesa da moral e dos bons costumes da família brasileira”, usado pelos militares para angariar o apoio de parte da sociedade brasileira ao regime.

Com base em entrevistas e extensa pesquisa, os autores revelam que durante os momentos mais repressivos da ditadura, nos governos Costa e Silva e Médici, recursos públicos foram usados para financiar um dos espaços mais simbólicos para a prática do sexo livre no Brasil: os motéis. Foi justamente entre os anos de 1968 e 1974, que esses estabelecimentos nasceram e floresceram. Se no espaço público, os generais proibiam de tudo - da nudez ao sexo, de letras de canções românticas a discurso de paraninfo em formatura, do palavrão aos cabelos longos -, nos motéis, tudo era permitido. Adultério, ménage a trois, orgias, homossexualidade, consumo de drogas ilícitas e de pornografia eram tolerados desde que não comprometessem a discrição necessária ao negócio.

Segundo os autores, o decreto 55, de 18 de novembro de 1966, que criou a Empresa Brasileira de Turismo (Embratur) e estabeleceu uma miríade de benefícios fiscais e financiamentos para empresários que investissem no setor, acabou também sendo usado por moteleiros. A lei permitia o uso de recursos para financiar estabelecimentos de hospedagem à beira da estradas, ao estilo dos seus similares norte-americanos, com o objetivo de incentivar o turismo rodoviário pelo país. Sem fiscalização, muitos donos de motéis para encontros se beneficiaram e construíram seus negócios com recursos públicos. O Anuário Estatístico da Embratur, de 1979, aponta a existência de 352 motéis registrados no órgão em 165 municípios de todo o Brasil. Só no Rio, eram cinquenta estabelecimentos em quinze municípios. Era muito motel para pouca estrada.

Os autores constroem um amplo painel da evolução dos costumes do Brasil, a partir de fatos que giram em torno dos motéis e de seus ancestrais, os chamados hotéis de alta rotatividade. O primeiro deles, inaugurado em 1926, ainda resiste em pé, embora inativo: o Hotel Leblon, na zona sul do Rio de Janeiro, onde, como dizia o jornalista e escritor Antonio Maria, era possível “amar sem castigo”. Ciça e Murilo descrevem como a revolução sexual, a luta pelos direitos da mulher, a pílula anticoncepcional e o desenvolvimento da indústria automobilística no país foram cruciais para a perenidade do negócio.

História / História do Brasil / Sociologia

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