As crônicas reunidas neste livro, escritas entre 1941 e 1966, tocam temas díspares, mas fascinantes: o pós-guerra, um desenho de Carlos Scliar, a avenida Atlântica, Hollywood, o assassinato de dez mil pintinhos pelo Ministério da Agricultura, um batizado na Penha, o amor à pátria, a morte de Cecília Meireles, uma saison em Caxambu. O cotidiano aqui aparece emaranhado, desconexo, caótico como de fato são os acontecimentos. Vinicius de Moraes sabe que a função do cronista não é a mesma de um administrador, que conecta, limpa e arquiva o mundo real. Ao contrário, ao retratista não cabe escolher o que a realidade lhe oferece, nem discriminar imagens ou acontecimentos. Cabe, sim, pôr-se a serviço do confuso trançado de fatos que compõem o cotidiano e não sucumbir à ânsia de colocar, precocemente, ordem na casa - pois os fatos se ajeitam e se moldam por si mesmos, ou simplesmente se perdem na espiral do tempo. Vinicius de Moraes é um cronista sem onipotência, que não conspira contra os acontecimentos, nem tenta acomodá-los de um modo coerente e aceitável. Sabe que tudo se perde no tempo, e é assim que trabalha suas crônicas, como um poeta metido em um nevoeiro, onde pode ver apenas aquilo que se passa a menos de um metro de si. É daí, dessa impotência, que ele retira a beleza do que escreve. E, ainda que o poeta apareça como personagem de si mesmo - Hoje fui ao parque: melhor dizer Parque, assim com maiúscula. Passei minha convalescença por entre outras senhorazinhas encantadas... -, o que lhe interessa não é o egoísmo do poeta colocado no posto de estrela, mas o modo como ele pode se oferecer para apresentar um diagnóstico mais preciso e belo do mundo exterior. A leitura dessas crônicas traz um alívio: o cotidiano pode ser um campo minado de farpas e imprevistos, mas só contra eles o homem pode construir sua felicidade. Prêmio Jabuti 1992 de Melhor Produção Editorial de Obra em Coleção
Crônicas