Gramatura Alta 16/10/2018
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ntes de falar sobre CANNON, é necessário passar algumas informações sobre seu autor, Wallace Allan Wood, porque, do contrário, possivelmente, você irá sentir uma certa repulsa por sua obra.
Nascido em 1927, filho de um lenhador e uma professora, marinheiro, começou a desenhar profissionalmente em 1950. Apenas dois anos depois, com a estreia de uma das revistas mais famosas de todos os tempos, MAD, da qual ele era um dos desenhistas e roteiristas, tornou-se famoso e sua arte reconhecida como uma das melhores daquele tempo. Mas ele trabalhava em muitas outras publicações, inclusive como ilustrador de livros de Isaac Azimov e Philip K. Dick, com os mais diversos personagens, como Spirit e Demolidor.
Após deixar a MAD, oito anos depois, ele se dedicou a quadrinhos adultos, mais voltados para o público masculino. Ainda hoje, é difícil encontrar um artista que consiga desenhar o gênero feminino de forma tão sedutora quanto ele. Na verdade, ainda hoje é difícil de encontrar um artista que tenha tanto domínio sobre a arte narrativa visual como ele. Um de seus legados, e que serve de direção para quem deseja aprender a desenhar, é seu guia de 22 quadros que sempre funcionam, exibido aqui abaixo.
Beberrão, mulherengo, solitário, aos 54 anos, ele sofreu um derrame, ficou incapacitado de voltar a desenhar e se suicidou no dia das bruxas.
CANNON foi concebido como tiras dentro de publicações que eram distribuídas aos soldados americanos na guerra do Vietnã. O personagem principal, John Cannon, um espião sem sentimentos que é uma arma de matar, que sempre vence o inimigo, que enfrenta qualquer perigo e que está sempre rodeado por mulheres nuas, é perfeito para entreter tropas formadas por homens que poderiam morrer a qualquer momento. Tudo em CANNON foi pensado para elevar a moral dos soldados americanos, para criar um tipo de entretenimento em um local rodeado de morte e de medo. Por isso, em praticamente todas as páginas, há uma mulher nua. Também por isso, apesar da violência, não existe sangue, e os personagens que são feridos, não são desenhados dessa forma. Logo no quadro seguinte, aparecem como se não tivessem sofrido nada.
A narrativa não se preocupa com lógica, é extremamente machista, as mulheres são constantemente agredidas, abusadas, tratadas como objeto, apesar de não terem qualquer dificuldade em ludibriar um homem. Os planos são mirabolantes, bem como as decisões de John, e as formas como ele escapa das armadilhas, ou enfrenta tropas inimigas, são impossíveis na maioria das vezes. Mas as tiras não possuem o objetivo de serem coerentes, nem profundas, nem qualquer outra coisa, além de entreter um público específico masculino.
Por isso mesmo, não consegui realizar a leitura de forma contínua. Precisei ler da forma como a obra foi concebida, ou seja, duas ou três tiras por dia, no máximo. Também não há como não sentir um desconforto com o nível de machismo e preconceito, mesmo sabendo o objetivo com que as tiras foram criadas.
A edição segue esse mesmo raciocínio de leitura, e ela é horizontal, comprida, respeitando o formato das tirinhas, com um papel de gramatura maior, tons de preto bem definidos, capa dura, toda concebida de forma muito caprichada e profissional. Linda!
CANNON não é uma obra destinada a qualquer leitor de quadrinhos. Ela não é uma obra de entretenimento. Ela é uma obra de estudo, para um público que deseja conhecer a arte de Wood, aprender como criar quadros e traços praticamente perfeitos, se instruir sobre como montar sequências de ação mais eficientes que a maioria de filmes que existem.
Então, por isso, esta não é a resenha de uma obra que você irá comprar (mesmo porque está esgotada, e a editora não tem planos de nova edição, um problema comum de editoras novas, infelizmente. A menos, claro, que você encontre em algum sebo, ou algum site de usados), mas é uma resenha para você ter conhecimento da arte de Wood, um homem que tinha seus muitos defeitos, mas que possuía, incontestavelmente, um domínio total sobre a arte do desenho.
E não estranhe as cinco estrelas abaixo, preciso levar em conta a época e o motivo da narrativa ser do jeito que é.
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