Lopes 08/03/2018
Uma fresta fantasma
“A Ghost world”, de Daniel Clowes, pode ser visto hoje como uma premissa das formas de lidar, nas próximas décadas, com a ilusão e desilusão humana na adolescência e juventude adulta ao propor olharmos para essas vidas que estão à deriva da tradicional. Essa transição marca o quadrinho, é um viés, ou melhor, é um sentimento – quase - que se transforma em figuras e logo se expressam todo o movimento congelado e nítido daquelas personagens. E cabe somente às imagens a fala física, cada olhar, ou gesto, se desloca destas falas, não para refutá-las, mas para mostrá-las sem máscaras. Se a literatura coloca muita força na imaginação, nesta HQ o que vemos são as falas desmontando essa imaginação, criando uma nova, entregando sensações que são comuns e ao mesmo tempo das criaturas presas nas linhas que as realizam. A delicadeza então parece surgir aqui, simplesmente por que passamos por essa fase, porém cada um a seu modo muito particular, com ou sem amigos e amores, permeando o trajeto que enfrentam suas próprias negativas, escolhas, rivalidades e futuro, tudo isso arranjado pela trilha sonora que aqui é como respirar pelas imagens. Outro destaque são os tais coadjuvantes que se destacam naquela cultura transgressora tão importante para o que se quer dizer. Clowes faz pungente exercício desta qualidade, e talvez seja ela que alcança um humano particular, pronto para ver um desenho de forma sonhada, e não mais com o olhar real. É entrarmos em sintonia com as cores apáticas e suaves de Enid e Rebecca como quem toma uma cerveja sozinho com aquele amor (in)existente em linhas coloridas.