Rastros do Verão

Pedras e prédios de Porto Alegre reverberam sob o hálito do verão. A cidade, vazia e tórrida, parece ter entrado por engano num desvio de fim de linha. Há neve nos postais de Gramado expostos na rodoviária. Vestidos de verão esvoaçando nas marquises. Ônibus rangendo na manhã desesperançada. Mas acima de tudo há o vazio. Um vazio abusivo, inominável, onipresente, em todos os poros dessa Terça-Feira de Carnaval suspensa no tempo.
O homem do sapato coberto com poeira vermelha, o garoto que parte amanhã para o Rio, a mulher fácil do apartamento da Riachuelo, o sujeito com uma âncora tatuada no ombro, a misteriosa menina que mora com ele num prédio condenado - todos percorrem a cidade , que é etérea, inatingível. Porto Alegre parece uma reminiscência - com um coração insondável de metal e pedra.
Em "Rastros do Verão", o texto de João Gilberto Noll é como um travelling vasculhando lentamente prédios reais e corações irreais. O tempo e o espaço - Porto Alegre, a Terça-Feira Gorda, e a Quarta-Feira de Cinzas - são bem delimitados somente para, a seguir, serem pulverizados por uma história inquietante - daquelas que está apenas começando quando você vira a última página do livro. E foi então que lembrei de uma frase de Bob Dylan: "Inspirar as pessoas. O que de melhor você pode fazer por elas?" Para mim, "Rastros do Verão" apenas começou. (Eduardo Bueno).

Literatura Brasileira / Romance