O livro A Esfera e a Cruz, romance filosófico que descreve um debate tão atual na época de Chesterton, quanto na nossa. E como Chesterton é um daqueles escritores universais, é bem provável que o livro permaneça relevante por um bom tempo.
Pode-se dizer que Chesterton, na verdade, reenquadrou os termos do debate com esta obra, que foi lançada apenas um ano após O Homem que era Quinta-Feira. Pode-se dizer que sua ambição era expor como o debate estava sendo conduzido de maneira errônea – na verdade, de maneira desprezível.
Mas, afinal, de que debate estamos falando?
O grave e imenso debate que opõe os ateus aos cristãos: há, afinal, um Deus que nos julga e uma religião a que devemos reverência? Se você é dos que não considera esse um debate dos mais importantes, saiba que G. K. Chesterton escreveu um livro inteiro para mudar essa opinião.
Para ilustrar como a atitude laxista e laicista são sintomas, não de refinamento, mas de depressão moral e espiritual, Chesterton introduz, como os dois personagens principais, um católico escocês e um jornalista ateu. O que os diferencia dos demais personagens é o fato de que estão dispostos a duelar à morte por suas convicções. O mundo, entretanto, está decidido a impedir que o duelo aconteça – ao mesmo tempo em que se mostra incrivelmente interessado nas ações dos duelistas.
A estas alturas, você talvez se esteja perguntando: mas o que a esfera e a cruz têm que ver com isso?
Trata-se da oposição simbólica que permeia o livro, a qual gira em torno da questão: é a esfera que deve servir de apoio à cruz ou o contrário? A esfera simboliza a racionalidade humana exercida por si e para si mesma (e fechada em si mesma); a cruz representa os paradoxos do Cristianismo frente às pequenas certezas humanas. A obra é um exercício filosófico – sempre rigoroso e idôneo – que tenta resolver essa equação.
Contudo, não só de debates ela se compõe. Longe disso. Não se trata, ainda, de uma discussão teorética disfarçada de narrativa. Pelo lado descritivo, Chesterton é extremamente feliz em retratar os personagens que se botam contra o duelo de vida ou morte. Sem os tornar caricaturas, e os tornando extremamente divertidos, ele delineia um magistrado fanaticamente secular, um comerciante indiferente, jornalistas que apenas vivem de fatos inusitados, e assim segue, numa sucessão policromática e complexa de tipos sociológicos. Especialmente acertada é a descrição que Chesterton, um jornalista por profissão, faz da imprensa e dos mecanismos que a movimentam.
Do fundo desse mundo variegado, mas que foge ao debate religioso, parecem emergir os duelistas, justamente para chacoalhar o mundo com a terrível discussão que este quer, a toda lei, evitar. Chesterton parece exagerar o zelo dos dois personagens para que não fiquem dúvidas de que esse debate precisará, em algum momento, ser resolvido. Ele acredita que nenhuma civilização pode manter-se sobre a frouxidão da indiferença religiosa. E, no entanto – mais um paradoxo – Chesterton também dá a entender que o cristão e o ateu estão, de alguma maneira misteriosa, condenados à amizade.
Não pense o leitor que, neste curto texto, estamos revelando tudo que a obra tem a oferecer. O que Chesterton nos dá é um mundo, com crenças e paradoxos, e uma grande questão a enfrentar. Para o bom aventureiro, há muito que explorar.
Para melhor explorá-la, por seu conteúdo denso e filosófico, a obra terá prefácio, comentário e posfácio de ninguém menos do que Henrique Elfes.
Elfes é um grande entendedor da obra do príncipe dos paradoxos. Por falar em paradoxos, A Esfera e a Cruz está repleta deles, como era de se esperar. Nada melhor, portanto, que um comentário abalizado para irmos a fundo neles.
Resta, por fim, dizer que esta é uma das obras em que o magistral estilo de G. K. Chesterton está no ápice, um espetáculo à parte. A tradução desse estilo para o português ficou por conta de Elton Mesquita, que já nos brindou com uma tradução invulgar de O Homem que era Quinta-Feira. É garantia de qualidade.
Então, é isso. Eis uma obra que até agora esteve fora de catálogo. Esperamos que muitos tenham o privilégio de acessar suas imensas riquezas.
Literatura Estrangeira