Este trabalho aborda a relação entre construção da pessoa e produção de saber operada na/pela
psicanálise lacaniana, enquanto teoria e prática terapêutica, através da descrição etnográfica do processo de
formação de psicanalistas. O trabalho de campo foi realizado em instituições psicanalíticas que seguem o modelo
de Escola (criado por Jacques Lacan), em São Paulo e Buenos Aires, nas quais foi possível observar a
organização institucional e seus dispositivos de formação, através do convívio e da interlocução com seus
membros e “alunos”. O movimento psicanalítico conjuga centralização e segmentação de poder/saber na
produção de suas lideranças, estas constituídas na relação mestre-analista/discípulo-analisante estabelecida na
transmissão da expertise clínica. As instituições lacanianas organizam-se hierarquicamente, pautadas na
classificação diferencial dos membros, de acordo com a distribuição do título de psicanalista entre estes. Através
de um dispositivo ritualístico, o processo de formação é “testemunhado” à “comunidade analítica”, o que confere
sentido à experiência associativa e comprova a eficácia terapêutica na construção de novos modelos de
subjetivação. A partir da concepção dos interlocutores, de que a descoberta da vocação profissional se da com a
submissão à experiência analítica, foi problematizada a articulação entre teoria psicanalítica e prática terapêutica
na construção de processos de individuação e de realidades psicológicas no interior da clínica. A psicanálise
mescla ciência, crença, filosofia, e a produção de conhecimento pauta-se em dicotomias como natureza/cultura,
corpo/alma, objetivo/subjetivo. Embora os lacanianos de Escola reivindiquem um regime de racionalidade que
seja específico à psicanálise, e crítico do saber médico-psiquiátrico, eles atualizam, por outros meios, aspectos da
hegemonia, do controle e da autoridade desse saber no atendimento, seja público ou privado, de pacientes em
saúde mental. Com a proposta de realizar uma antropologia da psicanálise, foram consideradas categorias êmicas
como “sujeito desejante”, “causa analítica”, “ética do desejo” e “política da psicanálise” para acessar as relações
e os sentidos articulados pelos lacanianos de Escola à experiência profissional, à prática clínica e ao estatuto da
psicanálise no campo da saúde mental.
Psicologia