Durante a travessia do Atlântico, de trezentos a quinhentos escravos eram acorrentados em pequenos porões, com um metro e meio de altura, cujas paredes comportavam uma espécie de prateleira de madeira sobre a qual jaziam corpos negros. Aqueles que completavam a viagem, atacados por varíola e outras doenças, também morriam antes mesmo de serem vendidos. A “carga perdida” era habitualmente lançada nua (envolta em esteiras), em lugares sem covas, sem caixões, e coberta apenas por um pouco de terra. No caso do Rio de Janeiro (fins do século XVIII e início do XIX), o principal cemitério da região para sepultamento dos pretos novos se encontrava na área do Valongo, trecho que vai da Prainha à Gamboa. Hoje, pleno centro da cidade. Segundo o relato do viajante G. F. Freireyss em 1814, “no meio deste espaço [de 50 braças] havia um monte de terra da qual, aqui e acolá, saíam restos de cadáveres descobertos pela chuva que tinha carregado a terra e ainda havia muitos cadáveres no chão que não tinham sido ainda enterrados”. O cemitério, neste livro, não é pensado, porém, como fim em si mesmo, e sim analisado a partir de múltiplas conexões: sua relação com o tráfico de escravos, a origem geográfica dos sepultados e a vivência dos que testemunharam o tratamento dado aos negros falecidos. Debruçado sobre documentos de arquivo, relatos de viajantes e estudos sobre a cultura da morte nas tradições católica e banto, o pesquisador Júlio César nos traz um trabalho instigante, cujo principal legado é chamar a atenção para uma história ainda pouco pensada: a violência praticada contra os escravos mortos recém-chegados ao Brasil.