A Lógica das Provas em Matéria Criminal

A Lógica das Provas em Matéria Criminal Nicola Framarino Dei Malatesta


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A Lógica das Provas em Matéria Criminal





Desde que as modernas legislações abandonaram, aos poucos, as fórmulas do processo inquisitorial, a antiga teoria das provas, avaliada, a priori, pela lei, vem dando lugar, sucessivamente, à convicção íntima do juiz. Ninguém mais duvida, hoje em dia, que esse fato constitui um grande progresso para o juízo criminal.

Ao determinar-lhe os benefícios, porém, é fácil cair no exagero.

As formas da acusação, da discussão oral ou do exame imediato das provas, do contraditório entre partes juridicamente iguais e da publicidade, são as que permitem, no melhor modo e graus possíveis, a viva, direta e sincera reprodução do drama criminal nas salas dos tribunais. O juiz, que no processo inquisitorial, favorecido pela lei com uma confiança desmesurada, reunia nas próprias mãos as funções de acusador e defensor, parecia mais oprimido sob o peso enorme das faculdades que possuía, do que, verdadeiramente, senhor da matéria com que devia construir a sentença. Mesmo depois da abolição da tortura, que trouxe consigo a profunda transformação da verdade judiciária em verdade substancial, de formal que era nos indícios necessários para a aplicação da tortura e na confissão que era obtida com ela, mesmo depois, eu dizia, sem o expediente da confissão, raras vezes, e com muito trabalho, o juiz soberano poderia ter desembaraçado a própria consciência sempre afeita ao hábito formalístico das numerosas contradições nas quais se deixava enredar mais, a todo instante, pelas frias informações colhidas nos autos escritos: principalmente para a prova específica de autoria do fato imputado e de sua culpa, em que uma luta entre inquiridor e inquirido se mantinha, em todo o caso, como conseqüência necessária daquele sistema. Se a tudo isso se junta o vínculo imposto a esta mesma consciência do juiz, com a obrigação de subordinar à avaliação legal atribuída, em geral, para todos os casos, a cada elemento de prova, seja considerado isoladamente, seja combinado com outros elementos, e isto prescindindo inteiramente da convicção desse juiz, ver-se-á, facilmente, ele descer muitos degraus da altíssima cátedra que o coloca delegado de sua autocracia, monarca no antigo regime centralizador.

Pois bem, não obstante as mais válidas e mais seguras garantias, de longa duração, oferecidas às liberdades civis pelas formas acusatórias em confronto com as inquisitoriais, quem suspeitaria, precisamente nas primeiras, aninhada, ou antes, guardada com os mais zelosos cuidados por um direito incomparavelmente precioso, daquela íntima, inverificável convicção, fruto indistinto, quer do prudente e sério raciocínio, quer de uma instintiva e indómita irreflexão, a que hoje e por toda parte os legisladores submetem o critério das sentenças criminais, não apenas absolutórias, mas também condenatória dos homens? Será que a lei da compensação deve ser tão verdadeira na ordem dos fatos morais ou sociais, como na dos fatos físicos e mecânicos, que, quando a soberania absoluta do juiz já tenha completado seu tempo por uma dada forma de manifestação, tenha ela inevitavelmente que tornar revindita uma outra?

Estas considerações e outras semelhantes sugeriram à mente do criminalista e do historiador o espetáculo das alternativas, a que há séculos o ordenamento dos processos judiciais está sujeito para a investigação da verdade em torno dos delitos e seus autores. Sem desenvolver a cadeia destas idéias de índole geral, convém, no entanto, notar que nos processos hodiernos, conduzidos segundo um sistema misto, ou intarsiati (como lhes chamava Carmignani, que os tinha em descrédito), na Europa continental, juntamente com a convicção íntima, foi-se difundido, aos poucos, na doutrina e prática a importância das regras probatórias. Não porque faltassem obras de grande valor; para consoladora demonstração do contrário bastaria, limitando-nos às mais conceituadas, relembrar as de Glaser, o exímio autor do Código Penal Austríaco, de 1873, no qual, por certo, deixou ao juiz togado, da mesma forma que ao júri, a plena liberdade de sentenciar segundo o próprio e íntimo convencimento, sem as restrições legais da avaliação das provas. Porém, talvez agrade mais aos estudiosos a investigação dos institutos probatórios, sob o aspecto histórico e erudito, do que os trabalhos desta natureza, no campo da doutrina; no da jurisprudência prática já se introduziu, há tempos, e cada vez mais se vai alargando, não só perante juízes populares, mas também diante dos jurisperitos, o hábito de excitar os sentimentos de uns e de outros, de comover os ânimos, descurando mais ou menos, ou antes, relegando a segundo plano, os severos argumentos da razão lógica e da experiência. E que o fato é esse mesmo, e não outro, facilmente se pode inferir da freqüente fragilidade e, por vezes, nulidade dos motivos, que, na vaga e indeterminada origem da sua convicção, os juízes permanentes, obrigados, como são, a enunciá-los, costumam tomá-los por suficientes para justificar suas declarações sobre a existência do corpo de delito e criminalidade do acusado. Resumindo, estamos numa época em que a paciência do investigador e do crítico parece exaurir-se totalmente, ou pelo menos, em grande parte, na investigação de competência científica. Quanto aos outros cuidados, emprega-se a rapidez adequada às condições e razões próprias das outras coisas comuns de cada dia. Os processos, pelo menos, na Itália continuam exatamente assim, complicados e lentos; porém, quanto aos julgamentos finais esse espírito irrequieto tomou tamanha proporção, que sua instauração não só deve ser imediata, como, costumeiramente, rapidíssima, tal qual inspiração espontânea e irresistível de uma mente privilegiada.

Em tal estado de coisas, aqui entre nós, escrever um tratado completo sobre normas da lógica judiciária em matéria de provas criminais se torna, em si mesmo, um fato admiravelmente notável. E esta é a razão pela qual julguei necessário chamar a atenção dos estudiosos, para a obra do senhor Framarino, com algumas idéias gerais. No entanto, atendendo à natureza da sua índole, necessariamente, analítica, dela nada direi, a não ser que, embora restrita no seu conjunto, talvez um tanto formal da pura lógica, constitui um trabalho rico e de grande valor, sobretudo do ponto de vista da construção esquemática, rigor e força do raciocínio e mesmo da clareza de exposição (se bem que um pouco carregado por freqüentes referências às demonstrações procedentes). Com rara agudeza, sempre que ocorra penetrar em questões de natureza das que, de início, suscitem qualquer estudo sério sobre a prova, o autor consegue penetrar, sob mais de um ponto de vista, talvez mais profundamente do que antes já se conseguiu, nas dificuldades espinhosas e que tão frequentemente se mostram rebeldes à crítica dos tratadistas e práticos. Manifestam-no abertamente as suas demonstrações, aqui felizes, além de muito importantes, ora da insuficiência, algumas vezes do testemunho único, outras da simples confissão, e ora, igualmente, da necessidade da prova do corpus criminis sempre que seja o caso, não de absolver ou livrar da acusação, mas de afirmar a criminalidade e condenar; como também as belas afirmações acerca do ônus da prova, sobre a verdadeira natureza dos delitos de fato continuado e suas conseqüências judiciais, como no que respeitam, por exemplo, à grave questão, de muito interesse prático, relativa aos limites das investigações probatórias no crime, dependentes da existência de um contrato, que o formalismo próprio da lei civil proíbe provar mediante simples testemunhos.

Com relação ao plano geral da obra, basta lembrar que o tratado completo desdobra-se em cinco partes. Analisados, em primeiro plano, os estados da alma relativamente ao conhecimento da realidade, o autor se ocupa, até aqui, da discussão da prova genericamente. A seguir, aprofundando-se ao cerne das dificuldades jurídicas, passa a examinar a prova em suas várias espécies, distinguindo-as claramente em objetiva, subjetiva e formal; subdistinguindo a primeira, como é racional, em direta e indireta; a segunda, em real e pessoal, enquanto a terceira, concernente às formas de prova, resume-as, todas, em três categorias: testemunhal, documental e material.

É para augurar que uma obra tão meditada, e de valor incomum, encontre entre nós um digno acolhimento, e tal, que seu jovem autor tenha até de ser recompensado e confortado em seus sérios e doutos estudos futuros.

Emílio Brusa

Direito

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Denny Rodrigues Gomes
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