A República "Comunista Cristã dos Guaranis

A República "Comunista Cristã dos Guaranis Clovis Lugon

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A República "Comunista Cristã dos Guaranis


1610/1768




A REPÚBLICA “COMUNISTA” CRISTÃ DOS GUARANIS: 1610-1768

RESENHA
LUGON, Clóvis. A República “Comunista” Cristã dos guaranis: 1610-1768. 3ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1977, 353 p.

Foi entre os guaranis que a utopia cristã (Atos dos Apóstolos 2, 32-35; 42-47) teve seu batismo de fogo. No período de 1610-1768 ocupavam parte do território da América do Sul, conhecido como Província do Itatim, a civilização Guarani (O grande território Guarani há época compreendia o Paraguai, parte da Argentina, parte do Mato Grosso, hoje Mato Grosso do Sul, Paraná e Rio Grande do Sul). Hoje ainda encontramos uma população considerável destes povos mesmo após o sangrento extermínio pelos invasores.
Entre o período compreendido de 1610-1768 foram confinados em comunidades, assim chamadas de reduções pela Companhia de Jesus, conhecida no Brasil por Congregação dos padres jesuítas. Estes legaram aos guaranis uma enorme gama de cultura, sem jamais destruir tudo aquilo que era próprio dos índios.
Clóvis Lugon afirma que a República Guarani era, sem dúvida, comunista demais para os cristãos burgueses e cristã demais para os comunistas da época burguesa. Por isso a votaram ao esquecimento, tentando ocultar a sua realidade (p. 5).
As primeiras comunidades cristãs sempre foram colocadas como exemplo de vivência para todos nós. Contudo, jamais formaram uma sociedade no pleno sentido da palavra. Não estavam organizadas para assegurar, de um modo estável, a produção e a repartição dos bens por elas próprias, mediante o simples funcionamento de suas instituições. Além disso, os bens de produção conservaram-se por tanto tempo propriedade privada que não foram transformados em bens de produção coletivos, e sim, pela venda em bens de consumo. Tudo era vendido e repartido. Logo crescia o número de pobres. As comunidades cristãs, por conseguinte, manifestaram-se mais como grupos de amizade e ajuda mútua, na base do desinteresse e abnegação pessoais, no seio de uma sociedade profundamente egoísta.
A República Guarani foi, por seu lado, uma sociedade fraternal organizada segundo os princípios cristãos, no sentido em que a fraternidade estava praticamente inscrita na sua estrutura, seu regime de propriedade, seus modos de produção e distribuição, em todas as suas instituições (p. 10). É claro: sobre o controle dos jesuítas .
A República Guarani teve o privilégio de se construir sobre um terreno virgem. A vida econômica e social aí se enriquecera e diferenciara progressivamente, num ritmo surpreendente, sem que o princípio de comunidade se alterasse. A fé cristã alimentara o espírito de amizade, de unidade e de igualdade no corpo social reduzindo ao mínimo o sentimento de coerção (p. 17).
Os exploradores espanhóis penetraram no Paraguai, a pátria dos guaranis, pela primeira vez em 1516, sob a chefia de Juan Diaz de Solis. A conquista foi trabalhosa e sangrenta. No final do século ainda não estava concluída. Em 1590, porém, cinquenta cidades e praças fortes tinham sido fundadas. Os guaranis não tiveram a paz necessária com a chegada dos espanhóis e as invasões dos paulistas (mamelucos) que na sua ganância atacavam sem piedade as reduções e pilhavam os índios de suas riquezas. Os invasores julgavam fazer isso em nome de Deus segundo o livro de Moisés que diz: “Combatei as nações pagãs”.
Não demorou muito e os guaranis organizaram seus exércitos e aos poucos foram expulsando os invasores, sempre sob a direção dos jesuítas. Contudo, afirma Lugon: “os guaranis teriam ficado muito felizes se os tivessem deixado ignorar até o nome da guerra” (p. 97).
A organização política da República Guarani era das mais perfeitas democracias: “Esse Estado índio respondia às exigências democráticas mais modernas, visto que, longe de formar uma massa oprimida por funcionários todo-poderosos, os cidadãos não viam suas liberdades entravadas senão na medida em que o interesse geral o exigisse; nessa república, o funcionário indígena livremente escolhido era apenas um órgão da prosperidade pública, privado de preocupações egoístas” (p. 87).
Cultivavam a agricultura, tinham os mais ricos pomares e todo tipo de produtos hortifrutigranjeiros. Possuíam ricas manadas de bovinos e extraíam numerosos perfumes de diversas flores.
Quanto ao comércio e a moeda diz Charlevoix: “Nem ouro nem prata, senão para decorar os altares” (APUD LUGON, p. 153).
O regime de propriedade: “Todas as coisas são iguais entre iguais. Homens que nada possuem de próprio e de tudo dispõem” (p. 169). Todos são lavradores. Cada família recebe segundo as suas necessidades. E há pessoas encarregadas até para a distribuição. O trabalho não era uma mercadoria. A jornada de trabalho não passou de 6 (seis) horas diárias. A quinta-feira era dia livre. As segundas-feiras dia de treinamento para o exército. Aos domingos não se trabalhava e havia muita alegria entre eles. Tinham uma vida social intensa.
Assim, o cristianismo, realizado socialmente pelos jesuítas no seu princípio básico de fraternidade (A Redução), eliminara espontaneamente o escândalo da miséria mantida ao lado do luxo. “Não havia pobres entre eles” (Atos dos Apóstolos 4, 34). A palavra da bíblia a respeito dos primeiros cristãos encontra-se aplicada de novo e, desta vez, de modo orgânico e estável, no sentido de que nenhuma família, nem indivíduo algum, se sentiam entregues à insegurança ou privados dos meios regulares de existência, no seio da sociedade.
Por esse único fato, toda a vida social estava marcada e impregnada de um caráter de coesão, de um espírito de paz e de união que as descrições mais entusiásticas, sem dúvida, mal nos deixam conceber em toda a sua amplitude. Os guaranis, excursionando pelas florestas, atraíam frequentemente grupos de pagãos selvagens dos arredores e decidiam-nos a renunciarem à sua vida errante, descrevendo-lhes, o prazer que existe em viver em sociedade. Sentiam-se inteiramente à vontade, felizes e livres, nos quadros que limitavam sua vida de trabalho, de família e de ócio. Uma liberdade bem regulada (p. 219-220).
Como chegaram estes indígenas a esta maturidade? Pela influência dos jesuítas? Se pode afirmar que pouco foi a influência dos jesuítas. É de caráter puramente do guarani este senso de organização de contemplação diante da vida. Seu gosto pela arte, pela religião. Os poucos livros que existiam nas Reduções eram devorados por aqueles que aprendiam a ler. A escola era uma obrigação na qual todos tinham um esmero. A informação que temos é que entre estes índios estavam os melhores copistas da época. Existiram aqueles, inclusive, que traduziram as melhores leituras da época para os padres na linguagem guarani. O teatro era muito apreciado entre eles. Só nos resta agora falar um pouco sobre a prática de sua fé, sua vida religiosa.
A fé cristã implantou-se à custa do suor e do sangue dos missionários (em 1643 dezesseis missionários já tinham derramado o seu sangue pela causa dos guaranis). As outras explicações são superficiais ou falsas. Quanto mais se estuda, em pormenor, a história dos primeiros anos, mais nos comove profundamente a presença dos esforços prodigiosos, da paciência sobre-humana, da abnegação e total esquecimento de si mesmo, da resistência física e sabedoria dos primeiros missionários jesuítas no Paraguai. Os jesuítas, com um sentido espiritual e humano melhor esclarecido do que os outros missionários que aqui chegaram, criaram, passo a passo, um mundo que pode ser considerado “a perfeita imagem da Igreja Primitiva”. Afirma o padre Cardiel: “se o temporal vai bem, o espiritual vai muito bem. Se o temporal vai mal, o espiritual vai muito mal” (APUD LUGON, p. 224).
O que comovia os índios era a dedicação, o exemplo, a bondade nos atos missionários, o Evangelho era pregado e encarnava-se mais realmente e transmitia-se mais fielmente que por toda e qualquer espécie de discurso (p. 224). É preciso dizer que os padres trabalhavam no pesado juntamente com os índios em qualquer espécie de trabalho.
Os jesuítas tornaram a religião atraente, sem convertê-la numa comédia indecente. Uma música que agrada ao coração, cânticos comoventes, pinturas que falam aos olhos, a majestade das cerimônias, atraem os índios, onde o prazer se confunde com a devoção (p. 225).
A religião não estava separada da vida. Era a regra da vida. Todos os sacramentos eram muito frequentados (p. 234-240). Contudo há uma incógnita: Porque os padres não davam a comunhão frequentemente aos índios?
Na República dos Jesuítas a vida realizava o que a comunhão significava como banquete de amizade destinado a unir todos os irmãos em Cristo.
Termino esta resenha sobre o livro de Clóvis Lugon com a frase de um frade capuchinho francês: “eu passaria de bom grado o resto de minha vida num lugar onde Deus e o irmão é tão bem servido”. O povo guarani escreveu uma das mais belas páginas da comunidade dos seguidores de Jesus Cristo na América Latina.

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