A vida em cena

A vida em cena TÂNIA MARA GALLI FONSECA...


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A vida em cena


Teatro e Subjetividade




Estamos às voltas, hoje em dia, com um estranho paradoxo. Cada vez mais capturados pela espetacularização da existência, ao mesmo tempo reivindicamos mais "naturalidade', "autenticidade", em suma: "a vida como ela é". Já ninguém sabe do que se fala quando se diz "vida", tantos os clichês que a expropriaram, inclusive o da espontaneidade. Talvez daí nossa dificuldade atual com as artes que pretendem espelhar a vida "tal como ela é", mas que só nos devolvem os clichês que já não suportamos. No fundo, a verdade é que ninguém mais acredita, nem no teatro nem na vida. Deleuze dizia que não acreditamos mais no mundo, que nos desapossaram dele, e que caberia ao cinema (mas também ao teatro, à literatura, às artes..) devolver-nos a crença no mundo, com a condição que perfurem o clichê, e dêem espaço ao "acontecimento".
A Vida em Cena trata, das maneiras mais diversas, desses acontecimentos em que se reinventam as relações entre arte e vida no contexto contemporâneo, mas sobre uma linha vulcânica. Não se trata, pois, de dar a ver "a vida tal como ela é", empacotada na gorda saúde dominante dos Big Brothers, ou nas academias do corpo ou da alma que proliferam à nossa volta. Trata-se, isto sim, no diálogo com certas práticas estéticas menores, de sondar aquela região em que a vida experimenta seus limites, sacudida por tremores fortes demais, rupturas devastadoras, intensidades que transbordam toda forma ou representação. Ao tangenciar tais estados alterados, é fatal que se extrapole as palavras e os códigos disponíveis, ou o repertório gestual comum. É a vida quando ela está às voltas com o irrepresentável, ou com o inominável, ou com o indizível, ou com o invisível, ou com o inaudível, ou com o impalpável – com o invivível, enfim.
Claro que toda a geografia da alteridade, em que tais estados faziam sentido, foi inteiramente redesenhada nas últimas décadas. A própria idéia de confim ou de margem, tributária ainda de uma exterioridade salvadora, foi reincorporada numa totalidade sem exterior. Não significa que a diferença foi abolida, mas que seus modos de produção e expressão obedecem hoje a outra lógica, e pedem, talvez, outras modalidades de manifestação – longe, sobretudo, dos clichês da alteridade ou da margem.
Em todo caso, num contexto marcado pelo controle da vida (biopoder), as modalidades de resistência vital proliferam de maneiras as mais inusitadas. Uma delas consiste em pôr literalmente a vida em cena, não a vida nua e bruta, como diz Agamben, reduzida pelo poder ao estado de sobrevida, mas a vida em estado de variação, modos “menores” de viver que habitam nossos modos maiores e que no palco e em práticas estéticas diversas ganham visibilidade cênica, legitimidade estética e consistência existencial.

* * *

Os textos reunidos nessa coletânea foram apresentados no Seminário intitulado justamente A Vida em Cena, promovido pela UFRGS e em sintonia com a vinda da Cia Teatral Ueinzz ao Festival de Teatro Porto Alegre em Cena em 2003.
Esse volume está dedicado à memória de Renato Cohen, diretor teatral, performer, teórico e pioneiro da performance no Brasil. Juntamente com Sérgio Penna, Renato Cohen ajudou a fundar a Cia Teatral Ueinzz e acompanhou o espetáculo "Gotham-SP" ao mencionado Festival em Porto Alegre. Poucas semanas depois, no entanto, ele desaparecia bruscamente de nosso convívio, deixando entre amigos e parceiros de trabalho sua marca indelével, e muita saudade. A criatividade febril, o estilo intempestivo, a antenagem contemporânea e sua doce anarquia davam a sua presença uma força única. Os que tiveram o privilégio de conhecê-lo, amá-lo, empolgar-se ou até desentender-se com ele sabem a que ponto ele sempre colocava a própria vida em cena. É natural que esta coletânea renda a ele a justa homenagem, e se coloque igualmente sob o signo de sua inquietação e sensibilidade, prolongando-a em direções diversas.

Tania, Peter e Selda
(organizadores)

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Eduardo A. A. Almeida
cadastrou em:
23/01/2012 14:18:29

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