Foi no Renascimento, com as descobertas em torno da perspectivação volumétrica – das cenas, dos objetos, das distâncias entre elementos diversos –, a noção de contrastes violentos ou nuançados de tons claros e escuros tornou-se uma ferramenta bastante popular para a obtenção de certa tensão dramática. Conforme a expressão do artista renascentista se diversificava, de pinturas a óleo até xilogravuras, passando por afrescos e gravações diversas, o claro-escuro torna-se mais e mais complexo; hachuras harmoniosas ou caóticas, expressando nuances múltiplas de uma realidade plena de contradições, horrores e uma estranha, mas intensa, possibilidade de beleza.
Já no século XVIII, surgiu na Espanha um estranho e distante discípulo de Dürer. É bem verdade que nosso pintor (nascido a 30 de março de 1746 na pequena Fuendetodos, na província de Saragoça e falecido no exílio em Bordéus, em 1828) não foi apenas discípulo de Dürer; suas composições prestavam reverência aos seus mestres, da Espanha e do exterior, mas extrapolavam esse campo, atingindo uma intensidade única. Seu nome, Francisco José de Goya y Lucientes e sua atividade mais usual era criar espanto, drama e horror intensos apenas pelo ondear da sombra representada em tela, o abismo em claro-escuro.
Nunca, nem antes ou depois de Goya, as representações de procissões tiveram essa carga apocalíptica; ou a Inquisição pareceu tão brutal e injusta; ou o demônio obteve uma aparência tão palpável, plena de ameaça e de uma paradoxal esperança; até mesmo suas composições mais enigmáticas e singelas, como a que mostra um cachorro parcialmente afundando em um imenso campo de lama (obra que o artista e escritor Antonio Saura afirmou ser "a mais bela pintura do mundo"), apresentam através da tensão e nuance de suas cores um drama inexorável e terrível, tão comovente quanto impiedoso.
Como tributo ao grande demiurgo visionário que foi Goya, criador e destruidor de mundos em suas telas, a Raphus Press apresenta Abismo em Chiaroscuro/Chiaroscuro Void, coletâneas (em português e inglês) de poesia e ficção trazendo alguns dos mais extraordinários autores do horror fantástico contemporâneo.
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