Almeida Júnior, gestos feitos de tinta

Almeida Júnior, gestos feitos de tinta Daniela Carolina Perutti


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Almeida Júnior, gestos feitos de tinta





Daniela Carolina Perutti faz neste livro uma espécie de “biografia interessada”. Ao invés de tentar dar conta do conjunto da história do pintor, a analista arguta seleciona contextos: a educação (entre o campo a cidade); a formação na Academia de Belas Artes; o estágio fora do país; uma carreira improvável no “interior” paulistano; ou a inserção dentre as redes políticas, econômicas e sociais de São Paulo. Cada um desses pequenos detalhes como que ilumina percepções inesperadas presentes nas telas, sem que, com essa perspectiva, a antropóloga suponha uma relação fácil com o contexto imediato. A obra de arte reflete, mas também produz convenções, modas e costumes, e Daniela, em nenhum momento, faz interpretações objetivistas, que supõe uma relação de dependência entre o momento e a obra.

A analista preparada também percebe neste cuidadoso trabalho as correlações entre a fatura de Almeida Junior e a conformação de uma nova identidade paulistana, sedenta de símbolos que lhe conferissem certa identidade particular. Agenciar um passado, buscar por uma particularidade regional, mas também um presente dos mais gloriosos era tarefa árdua de instituições como o Instituto Histórico e Geográfico de São Paulo, o Museu Paulista ou para os intelectuais que frequentavam a faculdade de Direito do Largo São Francisco; mas era igualmente objeto de um pintor que nunca se furtou a agradar sua clientela, assim como acreditou, ele próprio, nas qualidades “intrínsecas” dos paulistas.

Sabemos que identidade não é essência rígida, muito menos ontologia imutável, e Daniela mostra, com muito apuro, como o pintor negociava símbolos de maneira política, contrastiva e seletiva. Uma São Paulo da labuta, cada vez mais moderna e cosmopolita, mas também rural, e marcada por seu personagem dileto (o caipira) surge nos quadros de Almeida Júnior, logo transformado em darling da elite local. Aí estão elementos suficientes para afirmar uma certa identidade (uma “paulistidade”), diferente e quiçá superior ao que se reconhecia na ex-corte do Rio de Janeiro, prontamente transformada em capital política e cultural do país.

Mas o grande momento dessa obra é quando Daniela Perutti faz um corpo a corpo com as obras de Almeida Junior, municiada por referências teóricas que, em suas mãos, mais se parecem com arma franca para melhor enfrentar a empreitada. Teoria não é como trouxa de roupa e é preciso apuro para realizar deslocamentos, da maneira como a autora procede.

Lilia Moritz Schwarcz

Artes / Biografia, Autobiografia, Memórias

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Joviana
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01/03/2020 14:56:09

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