Arraes

Arraes Tereza Rozowykwiat


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Numa dessas raras manhãs ensolaradas em que as pessoas resolvem não incomodar, sentei-me com dr. Arraes no acanhado restaurante de Zé Preguiça, em Afogados da Ingazeira, sertão de Pernambuco, para o café da manhã. Inacreditável: estávamos apenas os dois. Nem mesmo o garçom se aproximava e o silêncio vinha das matas com o vento brando. Nem tão brando que não fosse quente. Permanecemos calados durante muito tempo. Ele não estava nem alegre nem triste, embora costumasse brincar, irônico que era, logo cedo do dia Depois do último gole de café, enquanto acendia o cachimbo, tossiu. Uma tosse rápida e seca. Depois começou a falar. Um tom grave e confidencial. Não me pediu reservas. E nem precisava: estava conversando com um amigo. E conversa entre amigos é para se guardar no canto esquerdo do peito. Ele sabia. Milton Nascimento sabe. Então falou do seu retorno ao Brasil depois do exílio na Argélia. Sem mágoa, sem rancor, sem ódio. Vez ou outra fazia uma pausa. Pigarreava Recomeçava. Não alterava o tom. Fazia desfilar diante dos meus ouvidos um elenco de políticos brasileiros e pernambucanos que tentaram convencê-lo, nem sempre lealmente, a desistir da vida política em cargos e mandatos, para se retirar e se transformar numa espécie de conselheiro ferido em combate. Não aceitou. Sistemático e determinado, disse que voltara para retomar a luta que a força bruta lhe tomara. Tinha muito o que fazer e não recuaria um centímetro. Tamborilava com os dedos da mão direita na velha mesa do café da manhã, pigarreava e fumava cachimbo com discrição. Um traço definitivo do seu caráter: discreto e combatente. De um combate que não conhecia repouso, mas que não exibia estardalhaços. E é este Arraes, inteiro, que o Brasil conhece a mais vagar neste admirável livro de Tereza Rozowykwiat, escrito com a doçura de uma menina diante do segredo da vida. E que sabe tratá-lo com afeto e reverência. Sem o distanciamento formal do jornalista e sem o alvoroço de uma fanática desvairada. Na medida justa. Justo como era Arraes – na medida de sua compreensão do mundo e da sua solidariedade com os humildes.



Raimundo Carrero

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on 24/5/11


“Tenho apenas duas mãos e o sentimento do mundo”; “Todo político, ao lado dos aplausos que recebe, deve estar preparado para as demonstrações de insatisfação do povo”; “...os seus adversários locais, liderados por MARCO MACIEL (PFL) e JARBAS VASCONCELOS (PMDB), interferiram junto ao Governo Federal a fim de impedir que recursos que chegavam a outros estados fossem também carreados para Pernambuco”; (No terceiro mandato); ... leia mais

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Laís
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09/07/2009 23:49:28

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