Buruçu

Buruçu Yuri Pires


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Buruçu





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Heitor Nichilo está à beira de um colapso, que pretende evitar esquecendo-se de alguns fatos, os quais, por sua vez, não vão parar debaixo do tapete facilmente e acabam por transformar qualquer experiência de Heitor Nichilo numa nuvem cinza de poeira e lembranças esfumaçadas, por isso, ele luta consigo mesmo para conseguir pensar outros pensamentos que não sejam sobre os fatos de que pretende se esquecer, então, pensando por esse lado, eu percebi que os acontecimentos da noite do dia 29 de janeiro de 2002 de jeito nenhum poderiam ser compreendidos sem que levássemos em conta o fato de Heitor Nichilo estar à beira dum colapso, de modo que decidi escrever um livro-reportagem, embora saiba que os gêneros textuais são pecinhas de brinquedo daquelas perigosíssimas para crianças, e é por pensar assim que também trago ao texto empréstimos de outros gêneros como o documentário true crime, o romance policial e o depoimento, porque só assim julgo ser possível entender o porquê de Heitor Nichilo, estando à beira do colapso, ter feito o que fez. Ou não.

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Buruçu, de Yuri Pires, é um romance que se destaca pela qualidade tanto estética como temática, algo um tanto difícil de se conseguir. A história explora com agudeza a vida de Heitor Nichilo, um produtor cultural que tem uma vida estável com sua esposa Teresa, professora universitária, mas vive num conflito interno, a começar pela constatação de estar velho. Na busca por sair da monotonia, da solidão, acaba interagindo com um submundo sombrio e perigoso que parece lhe dar certa vivacidade.

É assim que acaba numa festa repleta de pessoas de índole duvidosa, como a traficante Célia, que fica obcecada sexualmente por ele e o persegue até ser assassinada no Hotel Jefferson. A culpa recai sobre Heitor, que estava lá. Como em um romance policial, e numa linha bastante próxima do realismo fantástico, do insólito, não sabemos o que aconteceu, pois nem mesmo Heitor se lembra do buruçu daquela noite. O que resta é acompanhar o investigador Roberto Samango em busca dos nós soltos, mesmo convicto da culpa do acusado, como se vê também em alguns depoimentos de pessoas famosas ou não para dar veracidade do caso.

As experiências vividas por Heitor, longe de serem glorificadas, são apresentadas como um reflexo sombrio da realidade, levando o leitor a questionar as normas sociais, a indiferença das pessoas em relação à injustiça, e como a opinião pública pode acabar crucificando alguém apenas por suposições, culminando numa morte trágica como um ato-representação da perda da nossa eterna e sombria luta com nossos próprios demônios.

O estilo combina a crueza dos personagens com a do texto, e nos faz mergulhar na complexa psique humana das relações interpessoais, abrindo espaço para confrontarmos questões como o descontentamento, a solidão, a moralidade e a ética e a nossa busca por conexão e significado da existência numa realidade aparente, na qual se torna difícil discernir meros simulacros de pessoas. É uma obra carregada de personagens complexos e multifacetados. Merece ser lida e apreciada, notadamente por sua honestidade brutal e sua representação autêntica da condição humana.



Claudecir Rocha

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Literatura Brasileira / Romance

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Marcelo Nogueira
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