Caldeirão

Um morto está sendo velado por uma contrita multidão na capela do Socorro de Juazeiro do Norte (Ceará, poucos meses após a redemocratização do Brasil, ocorrida em Outubro de 1945. De repente, entra no salão o repórter de um jornal da capital encarregado de cobrir o enterro do famoso beato José Lourenço, líder do Caldeirão, lugarejo situado nas encostas da chapada do Araripe, destruído pelas forças militares nos anos de 1936/37.

Em vez de o repórter preocupar-se com o beato, inexplicavelmente, é atraído pela estranha figura de um ancião que todos chamam de mestre Bernardino que, com respeito, vela o morto. Como não encontrara, até então, quem lhe desse maiores informações sobre os acontecimentos, indaga ao mestre: "Por favor, poderia me dizer quem foi o beato Lourenço e qual o significado de Caldeirão?".

Antes de qualquer coisa, o ancião oferece-lhe um tamborete. A seguir, tempera a garganta e, com ar calmo, os olhos miúdos mas vivos, e iluminado por uma fascinante sabedoria transmitida pela oralidade popular, começa a falar. Parece transportado para um mundo fora dali e a um outro tempo.

O curioso repórter durante parte daquela tarde, toda a noite e as primeiras horas da manhã seguinte escuta, quase sem interrupção, o mestre Bernardino discorrer sobre a origem, o desenvolvimento e a destruição violenta pelas armas militares do arraial do Caldeirão da Santa Cruz do Deserto.