Parece que o projeto literário de Evenson é como o de satã em Jó: colocar minhocas na cabeça de um demiurgo. Não é difícil perceber que a grande chave de leitura destes contos é a paranoia, uma paranoia ontológica que coloca em dúvida tudo o que se dá a ver, na contramão dos mitos de origem, que buscam a confirmação do mundo. A pele, neste sentido de camada disposta à vista, é uma imagem recorrente, como gênese de toda dúvida, como fonte das fraudes e dos autoenganos que viver nos exige.
No conto Nascido natimorto, por exemplo, o protagonista pondera se seu terapeuta pode ser descascado como uma maçã (à faca) ou como uma banana (a dedo). Em Irmãs, uma família de seres desconhecidos usam homens como "roupas" para viverem entre nós. Com efeitos e motivações diferentes, habitar peles humanas também é o expediente dos monstros de Escoando, e de O buraco; ou seja, que besta se arrasta sob a fina derme do conhecido a espera de nascer?
Tudo o que as tataravós do mundo puseram diante de nossos olhos, às custas de muito ipadu, tabaco e pensamento, cada coisa com seu nome, forma e função, vai desabando diante da paranoia destruidora de Evenson, ao som de uma canção desafinada, ouvida do outro lado de uma parede. Portanto, como diz Drago à filha desaparecida, no conto que dá título ao livro, "cante para que eles entrem".
Só não pergunte o nome deles.
Terror