CIÊNCIA(S) DA EDUCAÇÃO

Em seu formato original, impresso em papel, Ciência(s) da educação não possui uma seção introdutória; o leitor é levado diretamente ao primeiro capítulo do livro. O convite que me foi feito para elaborar estas páginas talvez tenha se originado na percepção dessa lacuna.
Lacuna ilusória, na verdade, pois, se as introduções normalmente buscam captar a atenção de quem inicia a leitura, isto já é magistralmente feito pelos autores logo nas primeiras linhas do texto. Elas nos colocam diante de um lugar comum, um pensamento que aflige a todos os que se envolvem, profissionalmente ou não, com o trabalho desenvolvido nas escolas: para que a educação se efetive, as teorias são mesmo necessárias, ou bastam as habilidades práticas?
O que justifica o retorno deste livro, cuja edição original data de 2000, não são as facilidades do formato digital, mas a persistência desse lugar comum que exprime perguntas localizadas no cerne do debate sobre os fundamentos da educação: é desejável ou necessário termos uma ciência da educação? Se for, é possível chegarmos a um consenso sobre os seus delineamentos?
Tais indagações têm resistido aos esforços de todos os que as enfrentaram, desde que a escola passou a ocupar o centro da vida em sociedade, instituindo a pedagogia como o conjunto dos saberes responsáveis pela formação das novas gerações. Neste livro, Tarso Mazzotti e Renato Oliveira respondem positivamente tanto à pergunta sobre a desejabilidade e necessidade de tal ciência, quanto ao questionamento sobre a sua possibilidade.
E o fazem de maneira singular, fugindo aos padrões usuais de reflexão desenvolvidos até o momento. Eis uma das justificativas para o retorno deste livro: o ineditismo da proposta de uma ciência da educação que seja interdisciplinar, tomando por base uma teoria da argumentação.
Na definição dos autores, uma ciência interdisciplinar é a que permita articular os diversos saberes que historicamente têm procurado fornecer subsídios à solução das problemáticas educacionais. Nesse aspecto, a ideia não é nova; a novidade está em propor que tais saberes sejam vistos não como definitivos, plenamente acabados, mas confiáveis, ou seja, sustentados no estudo de seus processos argumentativos.
A “teoria da ação social” originária de Boudon e a “nova retórica” desenvolvida por Perelman oferecem subsídios para estabelecer a diferença entre essa proposta e certas tendências contemporâneas que situam a arte de argumentar nos domínios da irracionalidade. Trata-se de examinar os argumentos que sustentam as práticas educacionais, deslocando o debate do terreno das certezas cartesianas para o das crenças, lembrando que é nesse último campo que se instituem as deliberações éticas.
A compreensão da proposta de Mazzotti e Oliveira requer do leitor uma abertura de pensamento justamente na esfera da ética, pois é ali que se encastela uma tradição que, acompanhando toda a história da filosofia, desqualifica a retórica como engodo ou, segundo os menos cáusticos, emaranhado de artimanhas que permitem falar sem dizer nada, deixando o debate inconcluso e, consequentemente, impedindo o empreendimento de ações efetivas.
Para os educadores, nada é mais indesejável do que a incerteza. Portanto, o leitor deste livro deve estar preparado para compreender o que considero a principal justificativa para o retorno deste livro: os autores sabem o quanto é difícil firmar consenso em torno do que propõem, como em torno de qualquer outra proposição pertencente à esfera das ciências do homem; por isso, o que trazem neste livro são caminhos para iniciar o debate sobre uma ciência da educação – assim mesmo, com “c" minúsculo, para mostrar que o que realmente interessa são acordos provisórios que permitam a continuidade da investigação.
Mazzotti e Oliveira nos convidam a integrarmos esse debate tão necessário. Embora envolva elementos teóricos, trata-se de um debate que não se processa de maneira contemplativa, mas por meio de tentativas destinadas à elaboração de ferramentas úteis à análise dos argumentos veiculados pelas várias ciências da educação.