Em carta de 21 de abril de 1908, Machado de Assis autorizava seu amigo José Veríssimo a recolher e publicar suas cartas, mas a permissão foi dada com um ceticismo tipicamente machadiano: “Não me parece que de tantas cartas que escrevi a amigos e a estranhos se possa apurar nada de interessante, salvo as recordações pessoais que conservarem para alguns... O tempo decorrido e a leitura que fizer da correspondência lhe mostrará que é melhor deixá-la esquecida e calada.”
A ABL atreveu-se a discordar, nisso, do seu primeiro Presidente, e atribuiu a essa correspondência importância suficiente para incluir sua publicação entre os elementos fundamentais do seu programa de homenagens a Machado de Assis, por ocasião do primeiro centenário da sua morte.
Coube-me orientar e coordenar esse trabalho, realizado pelas pesquisadoras Irene Moutinho e Sílvia Eleutério. A obra abrange cartas propriamente ditas, telegramas, cartões postais e mesmo cartões de visita, quando tiverem algum texto escrito; não somente a correspondência ativa como a passiva; assim como as cartas abertas, publicadas em jornais.
Em sua abrangência, o projeto se distingue dos diversos epistolário existentes, que em geral se limitam seja à correspondência ativa de Machado de Assis, seja à correspondência bilateral com interlocutores específicos. A concepção, agora, é estritamente cronológica, dando o mesmo espaço, dia por dia, às cartas enviadas por Machado e às recebidas, sem selecionar temas ou correspondentes.
A equipe fez questão de recorrer a fontes originais. A base foi o riquíssimo acervo guardado no Arquivo da Academia Brasileira de Letras, com centenas e originais manuscritos, muitos deles total ou parcialmente inéditos. As pesquisadoras examinaram também os acervos de outras instituições; e vários particulares cederam cópias de cartas até então inéditas.
Esperamos que este volume, que recebeu o inestimável apoio da Fundação Biblioteca Nacional, e os subsequentes sejam úteis aos pesquisadores da vida e da obra de Machado de Assis. Se isso acontecer , ficará confirmada a decisão de ignorar o pessimismo do primeiro Presidente da Academia Brasileira de Letras, para quem sua correspondência deveria permanecer "esquecida e calada". Estamos certos de que os leitores concordarão conosco em que ela merece ser lembrada e ouvida.
- Sergio Paulo Rouanet, 2008
Não-ficção