Criminalização dos protestos e movimentos sociais

Criminalização dos protestos e movimentos sociais Kathrin Buhl...


Compartilhe


Criminalização dos protestos e movimentos sociais





Apresentação
Poderia começar esta apresentação dizendo que Rosa Luxemburgo is alive, and well and living
in São Paulo. A prova é este livro de entrevistas concedidas a dois jovens universitários formados
pela USP, militantes de movimentos sociais, Danilo César e Nicolau Bruno, o primeiro historiador,
o segundo cineasta.
Tudo começou com uma proposta feita por Danilo durante as reuniões preparatórias para
a inauguração da nova sede do Instituto Rosa Luxemburg Stiftung para que este financiasse um
documentário sobre Rosa Luxemburgo, a ser realizado por Nicolau Bruno, um conhecedor apaixonado
da vida e da obra de Rosa. A proposta, bastante original, consistia em juntar entrevistas com
estudiosos e/ou simpatizantes das idéias de Rosa, materiais de época, cenas de ficção com diálogos
entre ela e seu amante Leo Jogiches, músicas, etc., visando a montar um painel histórico-políticobiográfico
sobre a revolucionária polonesa, do ponto de vista de dois jovens brasileiros de esquerda
no começo do século XXI. Com esse intuito convidaram a igualmente jovem Georgette Fadel, atriz
premiada do grupo paulistano Companhia São Jorge de Variedades, para interpretar Rosa. A idéia
de Nicolau e Danilo era apresentar uma Rosa viva, não só do ponto de vista político, mas também
em termos pessoais. Isso é possível na medida em que nas cartas aos amigos e amantes ela revela
uma personalidade complexa, forjada no calor dos embates políticos e pessoais, compondo, assim,
numa personagem romanesca de primeira grandeza que não por acaso tanto fascinou biógrafos,
romancistas, teatrólogos, cineastas. Com o projeto do filme em mente, Nicolau, na entrevista a Isabel
Loureiro, começa com uma série de perguntas sobre a vida pessoal de Rosa que podem parecer
extemporâneas ao leitor desavisado, buscando entendê-la como indivíduo concreto e não apenas a
personagem política mais ou menos conhecida de todos nós. Infelizmente, tempo e recursos escassos
não permitiram por enquanto que esse projeto fosse concluído.
O que acabou sendo levado a bom termo foi a encomenda de um documentário de 30 minutos
pelo Instituto Rosa Luxemburg Stiftung, visando à produção de material didático para palestras e
cursos de formação política a que Nicolau deu o título sugestivo de A flor e a revolução (sobre Rosa
Luxemburg). Entretanto, o espectador verá que a idéia original do primeiro filme continua presente
em alguns momentos, que podem inclusive soar polêmicos.
A meu ver, esse documentário e as entrevistas aqui publicadas (das quais somente pequenos
trechos foram utilizados no filme) têm um grande mérito: os entrevistados, ao fazerem o balanço
das idéias de Rosa Luxemburgo, mostram que ela não está relegada ao museu do marxismo clássico,
uma velha senhora que temos a obrigação de conhecer, mas cuja hora já passou. Muito pelo
contrário, a Rosa revolucionária, socialista e democrática aparece nestas falas em toda a riqueza do
seu marxismo anti-dogmático e libertário, continuando a servir de fonte inspiradora na luta contra
o capitalismo, e contra os traços burocráticos e autoritários das organizações de esquerda, infelizmente
muito comuns.
Isto posto, passemos ao livro. Todos os entrevistados, à exceção de Gilmar Mauro, membro
da direção nacional do MST, são professores universitários. O propósito dos entrevistadores era
9
justamente fazer a ponte entre a universidade e os movimentos sociais – no caso, o MST – mediante
uma reflexão sobre o pensamento de Rosa Luxemburgo e sobre sua possível atualidade nos dias de
hoje, o que revela muito do atual panorama político brasileiro e de como uma parte da esquerda
se situa nele.
As entrevistas formam dois blocos. O primeiro, constituído pelos estudiosos da obra de
Rosa Luxemburgo, oferece um panorama bastante abrangente da recepção de suas idéias no Brasil.
A opção foi por uma sequência cronológica dessa recepção, começando com o mais antigo “luxemburguista”
histórico, Paul Singer, continuando com Michael Löwy, Angela Mendes de Almeida
e terminando com Isabel Loureiro. O segundo bloco é formado pelas entrevistas de Gilmar Mauro
e Paulo Arantes, os quais, para além das idéias de Rosa, conduzem-nos a uma angustiante reflexão
sobre os atuais impasses da esquerda no Brasil e as possíveis alternativas para superá-los.
Tal como aparece nestas entrevistas, a recepção brasileira de Rosa Luxemburgo detém-se
em alguns textos principais e pode ser sintetizada em três idéias: em primeiro lugar, Rosa é vista
como uma revolucionária marxista, defensora do socialismo democrático – neste tópico é lembrada
a polêmica com Lênin a respeito do partido de vanguarda; a pequena brochura sobre a Revolução
Russa em que tece críticas à dissolução da Assembléia Constituinte pelos bolcheviques; e o programa
do Partido Comunista Alemão, claramente anti-golpista.
Ao lembrar um capítulo quase sempre ignorado do marxismo no século XX, Angela Mendes
de Almeida reconstrói a trajetória das idéias luxemburguistas após o assassinato de Rosa, notando
que elas só estiveram na ordem do dia durante o breve período em que a Internacional Comunista,
de maneira tortuosa, adotou a tática de “frente única operária” , sem no entanto reconhecer a
paternidade alemã da idéia. Ângela considera esse comportamento da IC “uma espécie de oportunismo,
que iria pesar muito fortemente em seguida”. “Uma sucessão de camadas de mentiras que,
na era stalinista, foram conformando uma política inexplicável, com ares de falsidade maquiavé-
lica.” Referindo-se à famosa frase de Rosa sobre “a liberdade de quem pensa de maneira diferente”,
Ângela acredita que embora o stalinismo seja “uma enorme degenerescência do leninismo, alguns
elementos, sobretudo essa intolerância com aquele que pensa diferente, já estavam presentes no
bolchevismo, ou no leninismo.”
Em segundo lugar, nessa recepção, Rosa é considerada uma marxista “terceiro-mundista”
avant la lettre – aqui são mencionadas suas duas obras de economia política, A acumulação do
capital e a Introdução à economia política. Quase todas as entrevistas se referem à primeira obra,
reconhecendo sua atualidade a partir da interpretação de David Harvey, que voltou a pôr na ordem
do dia a teoria de Rosa sobre o imperialismo – a acumulação do capital não é primitiva, é permanente,
é violenta, e vai de vento em popa com a anexação de todas as dimensões da vida ainda fora
do processo de valorização do valor. Como mostra Rosa com grande riqueza de exemplos, a expansão
imperialista acarreta a destruição das formas de vida tradicionais, das comunidades indígenas
e camponesas (que ela chamava de comunismo primitivo), um fenômeno que continua a ocorrer
na América Latina com a “modernização” do meio rural introduzida à força pelo agronegócio, e
por todas as políticas de integração do espaço na América do Sul financiadas pelo BID . Neste
ponto Rosa é lembrada como aquela marxista pouco ortodoxa que lamentava a destruição violenta
10
dos povos primitivos pelo capitalismo europeu e imaginava uma ponte entre a resistência desses
povos ao aniquilamento e a luta do comunismo europeu pela superação do capitalismo. Não é de
estranhar portanto que o movimento zapatista, que se reporta à tradição indígena comunitária, e o
MST, que busca com grande dificuldade resistir ao avanço do agronegócio em nome da agricultura
camponesa agroecológica sejam aqui lembrados.
Em terceiro lugar, uma parte dos entrevistados menciona a atualidade da consigna “socialismo
ou barbárie” adotada por Rosa a partir da Primeira Guerra Mundial, a qual teria dois sentidos: o
primeiro, mais evidente, é o de que o capitalismo atual caminha em direção à barbárie generalizada,
que se traduz na violência das relações sociais, entre países, entre gêneros, na destruição do meio
ambiente, que põe em risco a sobrevivência da própria humanidade; o segundo, bem mais original,
extraído por Michael Löwy, sintetiza a idéia de um marxismo não determinista, em que a história
é um processo aberto, imprevisível, cujo sentido – progressista ou regressista – depende da ação
política dos oprimidos.
Para além da recepção de Rosa Luxemburg, as entrevistas, sobretudo as duas últimas, a partir
de um diagnóstico realista-desencantado do presente procuram dar respostas ao “que fazer?”.
Gilmar Mauro, pela posição que ocupa e a responsabilidade daí decorrente, dá um depoimento
precioso – e dramático. Constatando o enfraquecimento dos movimentos sociais sob o governo
Lula, em parte cooptados, em parte enfraquecidos, ele considera fundamental o trabalho de
formação política, a única maneira de impedir (ou pelo menos dificultar) a burocracia no interior
das organizações e a cooptação dos militantes pelo Estado.
A meu ver, uma observação de Rosa Luxemburgo a respeito de Marx e Lassalle resume perfeitamente
o dilema em que vivem o MST e seus dirigentes: “(...) quando em vez da crise e da
revolução começou a triste saison morte [época morta] da reação política, Lassalle e Marx voltam
a partilhar a mesma idéia – a resignação momentânea e os planos de um trabalho de toupeira de
esclarecimento revolucionário, temporário e silencioso.” É nesse lento e paciente trabalho de toupeira
de formação política, visando à transformação radical da ordem capitalista, que o MST aposta
todas as fichas, ainda mais num momento em que se torna cada vez mais distante no Brasil a possibilidade
de uma reforma agrária nos moldes clássicos.
Gilmar Mauro pensa que para estar à altura do desafio que lhe é imposto – ou seja, para
construir o “ciclo pós-PT” –, a esquerda no Brasil tem pela frente a tarefa gigantesca de organizar
a classe trabalhadora em geral (e não apenas o operariado industrial). A proposta, como diz na
entrevista, consiste num “movimento político de novo tipo que parta da idéia de construção dos
espaços de poder popular, dos conselhos, buscando as experiências históricas da Liga Spartakus,
a experiência da Comuna de Paris, a experiência dos conselhos de Turim (que eram conselhos de
fábrica), buscando a própria experiência latino-americana; no México tem várias experiências das
comunidades indígenas”. Em suma, a idéia é organizar os trabalhadores a partir das comunidades
locais , em diálogo permanente com os seus problemas (p. ex., utilizando a cultura como um canal
de participação) na esperança de construir uma vasta rede de organizações por todo o território
nacional aptas a formar “uma poderosa contra-hegemonia”: “(...) estou convencido de que este é o
caminho: ou a gente constrói este processo dos conselhos populares, organizações populares, com
11
um projeto político claro de substituição da sociedade capitalista e construção de uma sociabilidade
diferente – o socialismo – ou efetivamente a esquerda amargará muitos anos.”
Fechando o livro, e ainda no capítulo dos impasses da esquerda, Paulo Arantes, a partir da
sua experiência como intelectual não-orgânico do MST e como professor universitário que há mais
de 30 anos vem acompanhando o desmanche da educação no Brasil, insiste na necessidade de uma
nova teoria crítica que dê conta das complexas transformações do capitalismo nas últimas décadas
– e de suas manifestações na periferia – as quais impedem uma saída desenvolvimentista.
Essa nova teoria crítica, como ele aponta, virá – se vier – de um novo tipo de intelectual
de esquerda, com boa formação universitária, que incorporou a tradição radical brasileira, que tem
vínculos orgânicos com os movimentos sociais, e que está desempregado ou subempregado; conhece
a miséria brasileira dos dois lados, do lado do Estado e do lado dos movimentos sociais, não
alimentando ilusões em relação a nenhum dos dois. Mas, como admite Paulo Arantes, apesar de todos
os problemas dos movimentos ainda é neles e a partir deles que “algo politicamente revelador e
contundente” pode aparecer. É possível acreditar que essa nova geração de intelectuais de esquerda
está construindo aqui e agora aquilo que Rosa Luxemburgo dizia ser o núcleo duro do marxismo: o
vínculo indissolúvel entre teoria e prática.
Uma última consideração. As entrevistas aqui publicadas, feitas no primeiro semestre de
2008, são como um instantâneo do mundo às vésperas da crise econômica que explodiu em setembro,
abalando o mundo inteiro. Ao que tudo indica a alternativa “socialismo ou barbárie” tornou-se
mais atual que nunca. Quem viver, verá.
Isabel Loureiro
São Paulo, novembro de 2008

História / Sociologia

Edições (1)

ver mais
Criminalização dos protestos e movimentos sociais

Similares


Estatísticas

Desejam
Informações não disponíveis
Trocam1
Avaliações 5.0 / 1
5
ranking 100
100%
4
ranking 0
0%
3
ranking 0
0%
2
ranking 0
0%
1
ranking 0
0%

63%

38%

Claudio.Bueno
cadastrou em:
13/12/2015 22:49:22

Utilizamos cookies e tecnologia para aprimorar sua experiência de navegação de acordo com a Política de Privacidade. ACEITAR