«Depois de "Viagem ao Fim da Noite" e "Mort à Crédit", antes de trocar a vocação de romancista pelo furor panfletário anti-semita, Céline tinha começado aquilo que iria ser o seu terceiro romance, de nome Casse-pipe. Cronologicamente, seguiria Mort à crédit — onde encontramos, nas últimas páginas, Ferdinand a declarar ao seu tio Edouard que quer inscrever-se, como voluntário, no exército.
As primeiras cem páginas desse projecto abandonado perderam-se em 1944, ficaram em Paris enquanto o seu autor procurava refúgio na Alemanha e depois na Dinamarca. E em 1948 — já a ‘maldição célineana’ se preparava para atingir o ponto alto (...) — os Cahiers de la Pléiade, e Jean Paulhan com eles, assumiram-se num altíssimo rasgo de coragem cuja amplitude é já hoje difícil avaliar: a publicação desse fragmento, com o título Casse-pipe. (...) E assim é que as cem páginas de Casse-pipe ficaram como primeiro sinal de um levantamento de interdição.
Ver-se-á que abrangem toda uma noite chuvosa passada num quartel, e que ainda pertencem à primeira ‘maneira’ de Céline, aos dias do seu insaciável furor antimilitarista. Com um tom e uma escatologia dignos de Rabelais, envolvem sargentos e cabos nas violências exigidas pela iniciação de um magala. São páginas que cheiram a cavalo, a suor, a urina e a bosta, que pintam magistralmente uma realidade através da alucinação provocada por essa mesma realidade.»
Literatura Estrangeira