Do Terrorismo e do Estado

Do Terrorismo e do Estado Gianfranco Sanguinetti

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Do Terrorismo e do Estado





Muito embora em Itália se publiquem numerosos livros sobre o terrorismo, poucos foram tão lidos e nenhum tão ignorado pela imprensa como este. Editado em fins de Abril de 1979, distribuído lentamente por um número restrito de livrarias, Del Terrorismo e dello Stato esgotou-se ao fim dos três meses do Verão, e até hoje não foi reeditado em Itália devido a algumas dificuldades que me foram criadas por uma estúpida e grosseira perseguição jurídico-policial, da qual falarei mais tarde. Para já, é mais interessante interrogarmo-nos sobre a razão do silêncio quase completo que envolveu um livro abordando um assunto de que se fala quotidianamente, mas sempre do mesmo modo falso, nas primeiras páginas de todos os jornais italianos, bem como na rádio e na televisão de Estado. Esta última fê-lo muito em especial numa rubrica ad hoc que precedia o telejornal, mas, como muitas pessoas mo referiram, unicamente para que uma amálgama heteróclita de peritos em terrorismo convocados para o efeito dissesse que as teses deste livro «não são convincentes». O mais curioso é que nem a televisão nem os jornais em causa ousaram evocar essas famosas «teses» sobre o terrorismo italiano, «teses» que, no entanto, a televisão e os mesmos jornais se esforçaram por qualificar como «não convincentes». Receariam antes que o fossem, para tão zelosamente as escamotear? Temeriam esses jornais e a televisão que os meus argumentos pudessem ser considerados pelo público mais persuasivos do que as suas canhestras fantasias sobre o terrorismo, pois todos fizeram da sua omissão um dever? E porquê tantas precauções? Que diabo de tão escandaloso se encontrará escrito neste livro para que até os que se sentiram na obrigação de falar nisso o mantenham secreto? Ou será que Do Terrorismo e do Estado revela mesmo segredos de Estado?



Na verdade assim é: este livro contém segredos de Estado. O fato de serem os seus próprios serviços secretos quem organiza o terrorismo e puxa os seus cordelinhos não constituirá o principal segredo do Estado italiano? E é precisamente isso que se encontra sobejamente demonstrado em Do Terrorismo e do Estado.



O que efetivamente não é convincente, não são de certo os meus argumentos, mas sim o comportamento contraditório do Estado e dos seus fiéis servidores em relação ao meu livro, pois se por um lado falam nele sem nada dizerem, nem que seja para fazer com que os italianos pensem que o que digo «não é convincente», por outro, e alguns dias após a «recensão» televisiva, a polícia política e um magistrado, conhecido pelo seu mal sucedido zelo em tentar tornar verosímeis todas as mentiras oficiais sobre o terrorismo, iniciavam uma complexa e tenebrosa perseguição jurídico-policial de que eu constituía o alvo. Deverei pois pensar que cometi o crime de não ser «convincente»? Se o nosso Código previsse um tal delito, todas as prisões da Europa não seriam bastantes para encerrar os nossos políticos, os nossos jornalistas, os nossos magistrados, os nossos polícias, os nossos sindicalistas, os nossos industriais e os nossos curas. Não, não foi disso nem por isso, que me acusaram, mas antes por ter sido demasiado convincente ao acusar o Estado dos seus crimes, fato que levou o dito Estado a tentar vingar-se mas, como se verá, com o inepto embaraço dos culpados que se querem fazer passar por inocentes. Os homens que governam este Estado são, como é sabido, os mesmos que, desde a época do massacre da Piazza Fontana e para não serem inculpados, se vêem por assim dizer perpetuamente obrigados a acusarem outros dos seus crimes e de todos os crimes, como se quisessem efetuar uma demonstração suplementar da teoria de Madame de Staël segundo a qual «a vida de qualquer partido que tenha cometido um crime político fica para sempre ligado a esse crime, quer para o justificar, quer para o fazer esquecer à força de poder».



Uma série de acusações disparatadas, tão grosseiramente abusivas e arbitrárias que ruíram uma após outra praticamente sem que os meus advogados tivessem de intervir, sucederam-se ao longo de seis meses e, ao sabor dos caprichos de quem as imaginou, iam do delito de contrabando ao de terrorismo, passando naturalmente pelos de posse de armas e de associação subversiva.



De todas estas acusações que, a ser seguida a letra da lei, me podem valer de vinte a trinta anos de prisão, ou, pelo contrário, cobrir de ridículo quem as congeminou, há duas que, com algum esforço e certa boa vontade, poderiam encontrar uma base de sustentação na realidade, enquanto as demais são completamente falsas e extravagantes.



Contrabandista, de certo o fui, o que muito me honra, pois não terei sido eu quem, a partir de 1967, contrabandeou de França as idéias motrizes da revolução moderna, as idéias da Internacional Situacionista? E também admito que, tendo em vista as condições em que se encontra o Estado italiano desde o contrabando do mal francês, esse meu delito não lhe foi proveitoso, pois no nosso país a propagação do mal deu-se de forma mais rápida e profunda do que em outras paragens, sendo a doença doravante inextirpável. Infelizmente para os meus acusadores, os termos do nosso Código, bem como as disposições do Tratado de Heisínquia, não prevêem sanções para o contrabando de idéias e, como todos muito bem o sabem, quando o Estado italiano se ocupa com idéias não é de certo no fito de as desalfandegar. Assim, a acusação de contrabando soçobra miseravelmente, mesmo que se tenha procurado desesperadamente, mas sem qualquer sucesso, camuflá-la por detrás de outros pretextos de direito comum.



Quanto à acusação de associação subversiva, e muito embora ignore o que o velho código fascista, ainda em vigor, entende precisamente por isso, confesso que também ela poderia ter um certo fundamento, pois pertenci, mas aberta e não clandestinamente, à Internacional Situacionista até à sua dissolução, ocorrida no já remoto ano de 1972. Este inquisitio post mortem contra a IS só me parece risível porque, a seguir os mesmos critérios, um magistrado mais amante da equidade deveria também abrir um inquérito contra a Liga dos Comunistas de Marx, a Associação Internacional dos Trabalhadores e emitir mandatos de captura contra os descendentes de todos os que albergaram Bakouníne durante a sua permanência em Itália.



A acusação de posse de armas não tem qualquer fundamento, e não é por ter sido várias vezes dirigida contra mim, sempre sem sucesso, que a mesma passa a ser mais verosímil. Contrariamente ao que o presidente Pertini afirma em seu delírio senil, parece-me que a guerra civil ainda não começou — e a prova é ele ainda ser presidente desta coisa que se assemelha a uma República — sendo pois inútil possuir armas. E, de toda a forma, quem me acusa de posse de armas deveria primeiramente encontrá-las ou, ao menos, introduzi-las em minha casa, e tal ainda não aconteceu.



Mas onde o arbitrário se alia à mais obtusa das arrogâncias é quando o mesmo procurador da República pretende que «segundo o conteúdo dos documentos das Brigadas Vermelhas existem estreitas relações entre a ideologia deste grupo e a da Internacional Situacionista da qual o dito Sanguinetti é representante». Para além do fato de a secção italiana da Internacional Situacionista já não existir desde 1970, não podendo eu, portanto, ser o seu «representante»; também para além do fato, ignorado apenas por ignorantes, de a IS nunca ter tido uma ideologia, porque as combateu todas, inclusive a da luta armada, é ainda necessário assinalar pelo menos duas coisas: para já seria menos infrutífero que os magistrados se instruíssem antes de acusarem e, em seguida, que é bastante mais fácil fazer sobressair as «relações estreitas» entre a ideologia policial do supracitado procurador e a das Brigadas Vermelhas, do que as existentes entre esta última e a teoria situacionista. E nada neste mundo é mais radicalmente oposto ao que escrevi sobre as Brigadas Vermelhas do que aquilo que elas nos contam sobre si próprias com o apoio de toda a imprensa burguesa e burocrática. Por último, recordo, para não me alongar numa argumentação por demais cômoda, que em Itália facilmente se encontram publicações da IS e que numerosos são os que as conhecem, contrariamente à voz deste ou daquele Autônomo encarcerado; e todos podem verificar que em nenhum caso «existem relações estreitas» entre estes escritos e os documentos das fantasmagóricas BVs, ao invés do que o impertinente procurador pretende.

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Joe
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19/01/2010 16:45:48

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