Traição, palavra culpada, ocupa o centro do terceiro romance da francesa Anna Gavalda. Os diálogos econômicos substituem a descrição nessa história que faz emergir o que a intimidade esconde, quando pretende deter a inconstância dos sentimentos. Uma mulher jovem, largada há pouco pelo marido, confronta a perda no reencontro com o sogro, homem à primeira vista rígido e lacônico. Aos poucos, o ressentimento dela é invertido pela ternura dele; no lugar de farpas, eles trocam atenção. Assim, sem perceber, somos fisgados pela escrita sem ornamentos da autora, pelo modo como ela, discretamente, tinge um retrato que poderia ser só cinza. O passado imperfeito que as lembranças trazem nos leva a mudar de lado no jogo, perceber que afetos se soldam e enferrujam, dissociar desejo de culpa, não contrapor masculino a feminino. Enquanto isso, Gavalda alcança algo mais raro: liberar o amor do perpétuo romantismo sem condená-lo à banalidade.
Cássio Starling Carlos - Colaborador da Folha
Ficção / Romance