Legado miserável

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Legado miserável





Legado miserável, primeiro livro de poemas de Ues Batista, é um presente em forma de objeto-livro em que o escritor nos pega pela mão e vai nos mostrando as palavras que herdou da vida e como as ressignifica em seu fazer poético.

Dialogando em vários momentos com a religiosidade, desde a Bíblia sagrada, e até mesmo no título de alguns poemas como “Gênesis”, “Confissão” e “Deus perturba quem cedo madruga”, estamos diante do caminho percorrido pelo poeta desde sua infância, na garupa da bicicleta do pai, até sua maturidade, nos encontros afetivos com outros homens. Entretanto, Ues não blasfema. Conversa com Adélia Prado para abrir caminhos e se conecta com poetas próximos, como Suene Honorato e Atílio Bergamini. Mais uma vez o aviso, não se engane. O poeta nos escapa todo o tempo e não se deixa ser classificado facilmente. Entre seus textos há declarações de amor, denúncia de desigualdade social, relato de desejo, memória de infância, mas todos os temas são permeados por uma linha em comum: é como se o tempo todo existisse o apelo a um Deus. Não um Deus inventado e que tem sido usado de forma deturpada, mas um ser maior do que o poeta e que, além de inspirá-lo, é chamado à responsabilidade diante das injustiças do mundo.
No poema “Confissão”, a voz do poeta, menino crescendo, cheio de questionamentos sobre si, sobre o mundo, interpela esse Deus: por que não?/pergunto a Deus/… não me ouve. O poema subverte o título. Se, em geral, a confissão dos pecados é um momento íntimo com um líder religioso e o recebimento das penitências para expiação da culpa, este eu lírico é um inconformado, literalmente, que não se deixa caber na forma e questiona um Deus que não responde às suas demandas. Ao fazer esse diálogo, Ues Batista não se coloca à altura de um ser superior; ao contrário, humaniza esse ser divino, transforma-o em uma pessoa com quem pode conversar e pedir as respostas por que tanto anseia. Não há sacralização de um ser superior, há somente a poesia.

E é justamente o fazer poético que também tem vez em alguns poemas do livro. Dessa vez, o eu lírico, como um médico tradicional, repara, ampara, sutura, cura pa-lavras e, ao conectá-las, mostra ouvido atento e olhar apurado para convocar o que transborda em sua pele e, em seguida, cortar o que sobra em seu texto. Esse é o fazer cirúrgico de uma tradição de poetas que se propõem todos os dias a curar a si e a outros corpos que gritam por um lugar neste mundo. E Ues Batista, atento, segue inaugurando caminhos.

Valéria Lourenço

Literatura Brasileira / Poemas, poesias

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on 5/8/23


Um legado nada miserável para a literatura Ues Batista em ?Legado Miserável? (Urutau, 2023) constrói as camadas da sua escrita literária em cima da força de lembranças e momentos que são vistos como suas heranças da vida. Seu fazer poético coloca doses homeopáticas de experiência cristã, religião e Deus, montando referências bíblicas no formato ressignificado para a literatura contemporânea, onde as poesias ganham sentido figurativo na construção dos poemas de Ues Batista. O aspect... leia mais

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