Adoecer

Adoecer Hélia Correia


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Adoecer





Uma mulher que ousou a diferença e viveu sem os espartilhos do tempo, na segunda metade do século XIX, e que intrigou a sociedade vitoriana com a estranheza da sua relação amorosa com o pintor e poeta Dante Gabriel Rossetti. Um enigma até hoje cujo segredo Hélia Correia conhece. Tanto quanto é detentora do segredo da Literatura.
Era, de resto, muito antigo o conhecimento de Hélia Correia sobre Elizabeth Siddal, em que se reconhece completamente. Foi um conhecimento travado em torno de uma imagem do célebre quadro de John Millais, Ofélia, em que Siddal, a Lizzie do magnífico Adoecer, posou. E a partir dessa pintura, a escritora empreendeu uma demanda da modelo, que foi também um mergulho no século XIX inglês, no universo dos pré-rafaelitas e das pré-feministas.

«Havia nela como que uma falha que provinha talvez da exaustão e da deficiência alimentar, dando-lhe um ar furtivo, de gazela, que fez cair as apresentações.
Lizzie passou para detrás da porta abandonada que servia de biombo e regressou vestida de rapaz. Apanhara o cabelo sobre a nuca. Mostrava as pernas e isso produzia um curioso efeito assexuado. Gabriel adiantou-se e começou a ocupar-se da figura que faltava, não nos papéis de esboço, mas na tela. As personagens masculinas já se achavam muito avançadas. Ele posara para bobo. Os pré-rafaelitas provocavam situações de enteajuda em que existia, a par de exibição, sinceridade.
Deverell e Millais arrefeciam, de pé, imóveis e a perder entusiasmo. Viam em Lizzie a rapariga magra e de feições irregulares que até então não tinham visto. A narrativa de Walter, que avassalara o próprio narrador, deixava de exercer influência e a temperatura dos seus corpos ressentia-se. Esfregavam os braços, percebendo toda a impiedade do Inverno. Observavam Rossetti e Miss Sid que estavam sós, naquilo que talvez fosse o encontro do pintor com o modelo. Porém sentiam desconforto, como se presenciassem uma cena íntima.
Lizzie, que mantivera a posição sem vacilar nos dias anteriores, vergava as costas, inclinada para o chão. Era um abatimento poderoso sob o qual circulava alguma glória. John Everett Millais compreendeu a origem do fascínio de Miss Sid. Tinha um corpo selado na tragédia, um apetite sacrificial. "Hei-de pintar esta mulher", pensou. Imaginava-a num cenário de narcisos. Não sabia que estava a vê-la morta.»

Literatura Estrangeira / Ficção

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