Cinco novelas passadas na Paris do fim do século XIX, tendo como cenário um clube nos moldes dos grandes clubes londrinos, instituições em voga na França de 1840, e seus frequentadores.
A literatura brasileira tem em Machado de Assis um ponto de partida remarcável e indelével. A genialidade machadiana insere-se, é certo, num movimento lento, mas firme, de transformação histórica do conhecimento, dos homens e das coisas, da realização dos amores e dos ódios. O Bruxo do Cosme Velho não se furta a mergulhar em Maupassant, lá atrás, para retirar do contista francês a pedra bruta - e, no entanto, quão já lapidada - para entregar à civilização brasileira o requebro oblíquo de Capitu e a racionalidade fantasiosa e hesitante de Brás Cubas.
Essa fase é o momento de brilhantismo inegável da nossa história literária, fase sempre fértil e atual. A leitura de O Clube, de Romaric Büel, traz tal fase, condimenta-a com sutil pimenta pós-moderna e oferece ao leitor brasileiro uma saborosa sobremesa para ser degustada a sós entre desejos, amores e ódios contidos pelo refinamento burguês mentiroso e leviano.
A pena de Romaric corre com suavidade e fluidez, com um estilo muito seu já apontado em romances anteriores e aplaudido pela crítica, e o leitor se acumplicia com os amores a priori interditos - sempre os melhores, deduz-se - de Rodolphe e Fraulein Beckman, a inimiga alemã a ser destída por uma França rancorosa em busca de vingança, nos anos da Primeira Grande Guerra do século XX. A galhardia do casal, as mortes e os sofrimentos levam o leitor às lágrimas e aos braços da honradez.
O ambiente íntimo dos clubes, linha temática que costura com maestria os contos de Romaric, transmite ao leitor sussurros, preconceitos e fofocas desses ambientes trazidos da Inglaterra para a França em meados do século XIX e que se alastraram pelos bairros nobres de Paris. O clube é o amálgama de todos os atores do livro, um ambiente vivo dotado de perfídia, nobreza, falsidade, alegrias e penas. É o protagonista central do romance, numa fusão estonteante de cenário e personagem.
Romaric, em autêntico e revigorado Machado do século XXI, com plume refinada e pensamento sarcástico, envolve o leitor, quão envolvido fica Mathieu por Sophie, "nua, estendida sobre uma grande pele de animal", no delicioso capítulo - ou conto - " A mesa de convidados". As traições em " O Honorable Mister Farley" põem frente a frente Londres e Paris, uma duplicidade já anunciada nos filhos gêmeos de lord e de lady Farley, os gêmeos da duplicidade machadiana. Idêntica clonização dos amigos Paul e Louis, falsa como a joia em "As abotoaduras".
O refinamento do século XIX, ao tentar equacionar o conflito entre o humanismo e a fera bruta que dorme em cada ator, dá a Romaric matéria que, ele sim, lapida com requinte sedutor e faz literatura.
Godofredo de Oliveira Neto
Literatura Estrangeira