Oito anos após sua estreia na ficção com A história dos ossos (Editora 34, 2005), Alberto Martins dá sequência a sua exploração do universo narrativo com o romance Lívia e o cemitério africano. Aqui, o narrador do livro precedente - agora um arquiteto formado, em crise com seu trabalho - se vê às voltas com o estranho adolescente que é seu sobrinho, a mãe que se encontra nos primeiros estágios de uma doença senil e a inquietante figura de Lívia, a namorada de seu falecido irmão, que, em meio a misteriosas viagens e um obscuro interesse por arqueologia, tanto ilumina como desorienta a trajetória do protagonista.
Fruto de uma prosa enxuta que lembra em muitos momentos a concisão de um poema, o livro se constrói por meio de capítulos curtos que ora se completam, ora se contrapõem bruscamente, criando, na passagem e no confronto entre eles, novas possibilidades de leitura. Função similar têm as dezesseis páginas de xilogravuras, inseridas pelo autor em momentos cruciais da narrativa. Nada disso, entretanto, obstrui a fluência do relato nem o interesse pelo destino de seus personagens. Cientes de que o vaivém das histórias, assim como nossas verdades mais entranhadas, não se deixa apreender por um movimento linear, estes se entregam saborosamente a passeios por desvios e estradinhas vicinais.
Nesse sentido, vale observar a atenção incomum dada à geografia nesse romance breve que, tendo como epicentro a cidade de São Paulo, articula a capital, as cidades à sua volta, a Baixada Santista, o litoral italiano, zonas da América do Sul e remotas localidades europeias. Relato tenso e cristalino, Lívia e o cemitério africano traça imprevistas correspondências no espaço e no tempo para construir, como escreve Chico Mattoso no texto de orelha, um livro fascinante e original, dotado de uma "capacidade quase infinita de sugestão".
Ficção / Literatura Brasileira / Romance