Era já idosa mas jovial. Chamava-se Mónica. Aparentava certo ar de independência e quietação que o dinheiro dá aos diletos da fortuna.
Calculava-se e precisava-se em alguns contos de réis a importância do seu capital em propriedades rústicas e urbanas, e ótimas inscrições de assentamento da Junta do Crédito Público. Daí a veneração das turbas. Entre os mais dedicados servidores da velha senhora estavam: a sua criada de sempre, o cónego da casa e o vizinho merceeiro. Não havendo herdeiros naturais, aqueles três estão dispostos a quase tudo para se fazerem merecedores de constarem no testamento de D. Mónica...
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Leite Bastos foi um jornalista e escritor português, falecido em 1886. Os seus contos, romances e comédias --- muitas vezes moldados ao estilo das aventuras de Rocambole, e, tal como essas, dotados de elementos satíricos e humorísticos --- foram de grande popularidade no seu tempo.
De os «Sapatos de defunto» diz Gervásio Lobato, no prefácio deste mesmo livro: «Neste romance a observação realista casa-se a todo o passo com um humorismo original, um pouco sarcástico por vezes, com uns tons rudes e severos: os personagens vivem realmente através de uma ação natural, verosímil e lógica, e a vida burguesa é ali fotografada por um artista delicado, que sabe escolher bem os pontos a aplicar a sua observação, e dar ao quadro toda a sensação da vida e da verdade."