“Cortem a criança ao meio e dê cada parte a uma mulher”, disse o Rei Salomão, diante das duas mulheres que reclamavam a maternidade de um bebê. De modo que a mãe verdadeira imediatamente protestou, pois preferia ver o filho ser entregue à outra que assistir a morte do inocente, sangue de seu sangue, diante dos seus olhos. Salomão soube, assim, que esta que agora cedia à disputa era senão a matriarca verdadeira, ao contrário da outra, que concordara com absurda sugestão do rei.
A famosa cena é apenas uma amostra da vasta sabedoria do Rei Salomão, que dizem que era inspirado por Deus. Mas há uma lenda antiga que diz que os profundos conhecimentos do rei sobre todas as coisas não vinham unicamente do Criador, mas dos servos daquele que vem, rouba, mata e destrói. No total, Salomão conjurou, ouviu e registrou para si os saberes reunidos de 72 demônios. Ao fim da empreitada, o monarca aprisionou os caídos em um jarro de bronze, o selou e o lançou no fundo de um lago.
Mas os babilônios, vendo tal cena, acreditaram que lá haviam tesouros reais e foram resgatar o artefato, sem que ninguém os vissem. Encontraram-no após dias, abriram-no e concederam a liberdade, outra vez, aos 72 anjos da escuridão. Libertos da clausura, voltaram a percorrer o mundo para atentar, ludibriar e mentir contra os homens – cada um com suas artimanhas, joguetes e aparência.
Do mesmo autor de “A terra por onde caminho”, “Minhas conversas com o diabo”, de Mário Bentes, reúne uma coletânea de contos onde tais potestades da terra e do ar encontram-se com seres humanos que, ao contrário dos reis e de outros homens de poder, almejavam coisas simples: reconhecimento profissional, rever um familiar desaparecido ou ter uma nova chance pelo amor. Mas os saberes arcanos, repassados pelos caídos, têm seu preço: seja ele em peso de ouro, prata ou carne.
E, cedo ou tarde, eles voltam para cobrar a conta.
Contos / Suspense e Mistério