Zeca e Zilda. Neusa e uma paixão densa de culpa. Raimundo e seus amores, memórias, consciência do fim próximo. Lélio e seus companheiros, dois Ícaros ganhando o espaço. Um avô e sua dolorosa solidão. Sobras de corpo e lacunas de alma.
Vidas. Fragmentos de vida. O ser humano sangrando em seus desejos, suas frustrações, sua perplexidade. Monstro de escuridão e rutilância - assim definiu o poeta Augusto dos Anjos o homem, todo homem e cada um de nós. E é esse homem que encontramos, sempre, na literatura de Manoel Lobato - como neste O anjo e o anticristo.
Não estamos diante de um escrevinhador de amenidades: os textos de Lobato incomodam. Como todo autor à altura do seu ofício, ele busca a vida sem disfarces, mergulhando fundo nesse poço de infinitas possibilidades (muitas delas nada desejáveis) que é a alma humana. Zeca, Zilda, Neusa, Raimundo, Lélio, o avô - são personagens que conhecemos muito bem. Porque suas vidas são feitas, em última análise, mutatis mutandis, de nossas vidas.
Não foi à toa que Manoel Lobato se tornou um dos escritores mais lidos e elogiados deste país. Num estilo direto, seco (direi até: implacável), ele nos leva sem rodeios a esse mundo estranhíssimo que é o mundo em que vivemos, nós, os monstros de escuridão e rutilância.
E este livro é mais uma dessa viagens. Que não podemos perder, se procuramos uma literatura sem tergiversações, maquiagens, hipocrisias. Uma literatura, enfim, como queria Mário de Andrade, suja de vida.
Ruy Espinheira Filho