Eear 02/12/2017
Resenha sobre "Andar entre livros"
A obra “Andar entre livros” de Teresa Colomer, já como seu sugestivo título alude, propõe o progresso do indivíduo nos caminhos do conhecimento linguístico, literário e enciclopédico, por meio da leitura integral de obras literárias. Mais indicada aos profissionais professores ou futuros professores da área de Letras, concebamos logo que este indivíduo a ser levado à contínua e progressiva viagem literária é o aluno, englobando especificamente o público infanto-juvenil que compõe as séries primárias e secundárias das escolas europeias – um paralelo do Ensino Fundamental e Médio brasileiro.
A caminhada proposta por Colomer plasma-se num conjunto dividido em duas partes, tornando a concepção das ideias mais viáveis, para uma profícua compreensão do professor, ou futuro professor, que a lê, podendo este aplicar, em moldes iguais ou próximos, os mesmos ensinamentos do livro nas aulas de literatura e linguística.
Tendo a literatura como espécie de “pedra filosofal” para um ensino qualificado, a autora percorre, junto ao seu leitor, a sua história e função na escola do velho continente desde o final do século XIX até as décadas de 60 e 70 do século XX, período em que essa encontrava-se já sem o mesmo prestígio de outrora na sociedade (uma formadora do “ser social”) e em necessário processor reformulação de sua função num espaço urbano com novas e diversas formas de uso da língua e aspirações do indivíduo em um mundo moderno e capitalista. Tal retomada histórica até seus dias, da ao leitor um panorama do que a literatura já representou, por qual processo importante já passou, e como se encontra em seus dias, século XXI. Principalmente, ao que convém ao livro, como se encontra o uso da literatura no ensino na escola.
Constatando as cicatrizes deixadas pelos tumultuados processos pelos quais sofreu, como o já citado ensino instrumentalizado com fins em competência linguística e retórica, e ensino preso a passagens históricas, Colomer vê a aprendizagem de literatura sem rumos e com falhas que são suficientes para que a escola não produza leitores autônomos. Eis os rumos que a autora dá ao seu livro, produzir autores autônomos, defendendo o valor da literatura como aglutinadora de diversas áreas do conhecimento, capaz de levar os alunos a dialogarem com a cultura que vivem e poderem aceitá-la ou reescrevê-la. A função da literatura como formadora de seres sociais críticos emerge forte na obra, mas para tal êxito ambicioso, o caminho não é a simples exposição do aluno ao livro, mas sim um caminhar que exigirá o uso de livros infanto-juvenis - a porta de entrada para o mundo do letramento e promoção de um prazer literário – e uma nova forma de mediação do professor em sala de aula. O “Andar entre livros”, buscando tal propósito se evidencia mais acentuadamente com as propostas da “segunda parte”.
Esta, sendo a parte mais informativa para o processo de atuação e utilização do livro, por parte do professor, traz, dentre outros, com acentuada relevância no conjunto, os subtítulos “Ler, expandir e conectar” e “Ler com os especialistas”.
O primeiro reuni as considerações sobre a importância da leitura de livros como um espaço de inter-relações de conhecimento. O livro pode para Colomer cumprir a função fornecer ao aluno uma mescla de competências como leitura, fala, escrita, sociologia, filosofia história etc. Mas o subtítulo dá ênfase maior à aproximação da leitura literária e da produção escrita, defendendo que a capacidade de escrever sobre o que se lê produz leitores ainda mais capazes de entenderem as estruturas narrativas, aumentando a capacidade interpretativa. E a produção das redações de contos é levada em consideração, apresentando a possibilidade de diferentes tipos de contos, com diferentes tipos de narradores ou foco narrativo, diferentes tipos de funções dos personagens, todos adequados às devidas faixas etárias, para trabalhar em sala.
Já o segundo, orienta a função do professor nesse processo de mediação. Questionando resquícios de um ensino literário inadequado do passado, em que o professor, promovendo em sala de aula uma leitura guiada, onde ele se propõe a ler fragmentos do livro para a interpretação do aluno, o que Colomer redefine como “leitura substituída” (nada da subjetividade do aluno é emprestado a este processo interpretativo), a autora traz à luz a possibilidade de outra mediação. O professor agiria em uma dupla faceta, como um solucionador de conflitos entre texto e aluno, aparecendo para este dando luz às possíveis obscuridades na leitura, e como promotor de novas possibilidades de interpretação dentro da mesma leitura em questão, assim proporcionando uma progressão da expansão da capacidade deste jovem leitor. As leituras de críticos, que aparecem no universo literário com um papel parecido como o do professor, substituindo a leitura subjetiva do aluno em um primeiro contado com a obra, ficaria para o auxílio em uma segunda leitura, mais avaliativa, mais crítica.
A utilização de uma quantidade de livros por parte do professor para um projeto será necessária. Colomer fala, sobre isso, em livros para uma leitura mínima, em que o professor pretende que o aluno atinja a conclusão em determinado período, mas sem deixar de reservar o devido lugar da leitura livre por parte do aluno – aqui o aluno escolhe. Assim, afastando-se de erros antigos, e resguardando o prazer literário do jovem leitor, a leitura subjetiva se alia à leitura crítica em um contínuo que é a própria proposta do livro, já marcada no título.
De modo geral, objetivo da obra de Colomer é essa progressão em direção ao “leitor literário”, leitor este capaz de interpretar autonomamente, buscando sentidos internos às obras, na parte constitutiva da mesma, emprestando sua subjetividade, e externos, na contextualização dentro da tradição literária – em que as obras se relacionam - e na contextualização sócio-histórica, usando os especialistas em um segundo momento como auxílio, não como “substituição” no processo. Para esta finalidade, fica acentuadamente marcada a importância, para professores do ensino básico, do conhecimento e utilização dos livros infanto-juvenis. Estes que agirão de forma motivadora na captura do aluno para um prazer na leitura, corrigindo assim os erros do passado, em que as aulas eram ineficazes na fomentação de leitores e temidas pelos alunos pelo aspecto maçante e instrumental que incorporavam. O livro então é de fundamental importância para todo aquele que pretende trabalhar no ensino de português e literatura, podendo, com o auxílio de tal repertório de ações programadas, seguir o itinerário fornecido pela autora, ou mesmo inspirar-se para, a partir dali, ter ideias tão eficazes quanto, garantindo assim ao seu aluno a possibilidade de “caminhar” na vida escolar em diálogo intenso com a cultura escrita e ficcional, em uma grande promoção do conhecimento.