cadu.0 18/02/2023
"No que diz respeito a mim, em pessoa, eu não fazia outra coisa, na minha vida, senão levar ao extremo aquilo que os senhores não têm ousado levar nem à metade, tomando, ainda por cima, sua covardia pela sensatez e consolando-se com esse engano. Dessa forma, talvez seja eu mais ?vivo? que os senhores." -memórias do subsolo
Uma característica fundamental das obras do Dostoiévski é o questionamento moral inerente ao comportamento dos seus personagens, muitas vezes agindo de forma questionável. Entretanto, essas ações estão tão inerentes a construção da personalidade deles que não gera uma estranheza ao serem cometidas, uma repulsa? talvez, mas é uma construção tão racional que parece fazer sentido para aquele personagem, naquele universo.
Diante disso, a citação acima, proferida originalmente pelo protagonista sem nome desse diário, expandiu uma perspectiva que já havia sido criada em outras obras existencialistas que experimentei, inclusive do próprio Dostoiévski. Estas costumam incitar personagens a cometer ações que, mesmo sendo lógicas, nos é repulsiva ou, no mínimo, digna de um mau julgamento. Todavia, essas características não são próprias da humanidade? Ao refletir sobre, é bem fácil chegar a mesma conclusão do pobre protagonista desse livro, este que julgamos na maior parte do tempo como um ignóbil delirante. É certo que ter pensamentos repulsivos ou condenáveis é comum a todos, o que o difere de nós não seria, portanto, a sua capacidade única de levar à última instância aquilo que não somos capazes de manter até a metade? Bem, esse texto não é um proselitismo barato, não estou convencido das acusações proferidas pelo morador do subsolo, mas levantar esses questionamentos definitivamente é um sinal da qualidade irrepreensível do escritor. Muito bom!