Aefe! 05/12/2012
TRIPP, Paul David. Instrumentos nas mãos do Redentor. São Paulo: Nutra Publicações, 2012.
Nesta despretensiosa análise crítica do livro Instrumentos nas mãos do Redentor, pretendemos expor as principais teses do livro, e em seguida, observar os principais pontos tratados pelo autor e levá-los a uma consideração das ideias atuais a respeito do mesmo assunto. Finalmente, colocaremos nossa opinião pessoal a respeito do livro.
Paul David Tripp possui um ministério todo envolvido com Aconselhamento Bíblico. Ele é autor de outros diversos livros nesta área, como “O que você esperava”, “Guerra de Palavras” e “Como as pessoas mudam”. Recebeu sua formação em M.Div pelo Reformed Episcopal Theological Seminary e seu D.Min. pelo Westminster Theological Seminary. Além do mais, está envolvido em diversos outros ambientes de Aconselhamento Bíblico: ele é presidente do Paul Tripp Ministries, que provê recursos para aconselhamento bílblico; é diretor do Center of Pastoral Life and Care, em Fort Worth; é professor de Cuidado Pastoral no Redeemer Seminary, em Dallas e, finalmente, integra a equipe pastoral da Tenth Presbyterian Church, na Filadélfia.
A obra Instrumentos nas mãos do Redentor é volumosa, com 362 páginas do conteúdo do livro e mais de 100 páginas de apêndice. Embora seu tema principal seja aconselhamento bíblico, o livro é dirigido para o ministério leigo, como o autor diz: um livro para pessoas sendo transformadas auxiliando outras a serem transformadas. São 14 capítulos, divididos em diversos tópicos e recheados de exemplos práticos que demonstram uma profunda experiência na área. A obra, no entanto, carece de referências bibliográficas, referências teóricas e mesmo, de confronto com outras áreas que são claramente divergentes, como o integracionismo.
De certa forma, os cinco primeiros capítulos são introdutórios e apresentam aspectos mais teológicos, para a abordagem do ministério pessoal, mas a partir do capítulo 6, o livro se tornará mais prático.
No primeiro capítulo, entitulado A melhor notícia: uma razão para se levantar de manhã, o autor mostra que o evangelho é a melhor notícia pois oferece às pessoas não um sistema, mas um Redentor. Nós, em nosso ministério pessoal, precisamos levar as pessoas até o Redentor.
Vemos também que o pecado é uma condição humana, que acarreta rebeldia, insensatez e incapacidade de fazer o que Deus manda. No Capítulo 2, entitulado Nas mãos do Redentor, o autor demonstra que Deus usa pessoas comuns para fazer coisas extraordinárias na vida de outras pessoas e que Deus transforma as vidas das pessoas à medida que as pessoas levam a sua Palavra a outras pessoas. Demonstra que ser bíblico no aconselhamento é refletir acerca do qual a Bíblia toda diz respeito. Assim os três grandes temas da Bíblia são: soberania de Deus, a graça de Deus e a glória de Deus. No capítulo 3, entitulado “Será que realmente precisamos de ajuda? o autor demonstra que as Escrituras veem os seres humanos de três ângulos: Criação, Queda e Redenção. Assim, como conselheiros da perspectiva da Criação, devemos entender que:
a) Seres humanos foram criados para serem receptores de revelações.
b) Seres humanos foram criados para serem intérpretes.
c) Seres humanos são adoradores.
Por isso, roubar a adoração está na base do que está errado com os seres humanos.
Já como conselheiros da perspectiva da Queda, precisamos entender a entrada de outro conselheiro;
E como conselheiros da perspectiva da redenção precisamos entender a cegueira espiritual em que nos encontramos, que exige de nós duas qualidades de caráter: amorosa coragem para expressar nossa honestidade e humilde gratidão ao sermos abordados;
Deste modo, o ministério pessoal é enraizado em três princípios:
- Fomos criados com a necessidade pela Verdade fora de nós mesmos, para vivermos de maneira adequada;
- Muitas vozes em nossa mente competem com a Palavra de Deus pela atenção de nossos corações;
- o poder do pecado foi quebrado, mas a presença enganosa do pecado permanece.
No Capítulo 4, entitulado O coração é o alvo, aprendemos que o ministério pessoal eficaz leva a promessa de mudança permanente do Reino ao lugar onde ela é necessária - o coração. O coração é o “você” verdadeiro.
Respondendo à pergunta “Por que as pessoas fazem o que fazem”, o autor mostra que o coração é a fonte do pecado, portanto, a mudança deve sempre abranger a totalidade do meu coração.
Aponta, então, três princípios que dirigem nossos esforços de servir como instrumentos de Deus para a mudança nas vidas de outras pessoas:
- Há uma inegável conexão entre a raiz e o fruto com o nosso coração e comportamento;
- A transformação permanente sempre passa pelo coração;
- o coração é o nosso alvo no crescimento e no ministério pessoal.
Um ídolo do coração é qualquer coisa que me governe que não o próprio Deus: o pecado é fundamentalmente idólatra. Seja o que for que governe os nossos corações, exercerá inevitável influência sobre nossas vidas e comportamento.
No capítulo 5, Entendendo a luta do seu coração, aprendemos que os desejos do coração precedem, determinam e caracterizam tudo o que você faz. Está na base de cada palavra, ação ou sentimento irado. É a batalha entre o desejo por qualquer coisa na criação e o nosso desejo por Deus. Todos os dias a criação luta pelo controle de nossos corações.
O conflito humano está enraizado no adultério espiritual. Os objetos da maioria dos nossos desejos não são maus, o problema é a maneira pela qual eles tendem a crescer, e o controle que vem exercer sobre nossos corações. O problema dos nossos desejos é que em nós, pecadores, muito rapidamente ele se transforma numa exigência (eu preciso). A exigência rapidamente vira uma necessidade (eu quero). A necessidade fatalmente produz expectativa (você deveria), a expectativa muito rapidamente leva ao desapontamento (você não fez), que nos leva a alguma forma de castigo (porque você não fez, eu vou...)
O livro de Tiago aponta duas direções, uma vertical, depois horizontal: Humilha-vos e Limpai o coração. Gálatas 5 mostra duas realidades: guerra entre o reino de Deus “dentro de você” contra o reino da criação; e a realidade da minha identidade como filho de Deus e os recursos que são meus em Cristo: habitação do Espírito Santo e União em Cristo.
No capítulo 6, Seguindo o Maravilhoso Conselheiro, finalmente, ele chegará ao cerne da questão do aconselhamento, primeiro mostrando que a encarnação de Cristo para nós é evento, plano e chamado. A encarnação trata de um problema: não podemos ver a Deus. A encarnação nos revela a Glória de Deus. Portanto, o ministério bíblico não é um conjunto de princípios, mas sermos agentes da graça de Deus. A encarnação estabelece um plano: o plano de Deus para a igreja é que ela seja uma comunidade que represente fielmente a Cristo sobre a terra, para que a nossa presença represente a sua graça e a sua glória repleta da verdade. O plano de Deus é glória recebida e glória dada para que a glória continuasse a ser manifesta na terra.
A encarnação é também um chamado: sermos embaixadores de Cristo, com três: a mensagem do Rei; os métodos do Rei; o caráter do Rei.
Deste modo, a vida como embaixador deve ser baseada em amar, conhecer, falar e fazer, que são os elementos importantes do ministério bíblico.
- Amar: destaca a importância dos relacionamentos no processo de mudança;
- Conhecer: tem a ver com uma real familiarização com a pessoa que Deus nos envia;
- Falar: compreende fazer com que a vontade de Deus repouse sobre uma pessoa numa dada situação.
- Fazer: aplicar os discernimentos que Deus deu para sua vida diária e para seus relacionamentos.
É a partir destes elementos que o restante do livro será estruturado.
AMAR, que envolve os capítulos 7 e 8.
No Capítulo 7, Construindo relacionamentos ao entrar em seus mundos, o alicerce para o ministério que transforma vidas não é apenas uma teologia sadia, mas o amor. A nossa expressão do amor de Cristo é a única esperança de sermos eficientes por Cristo com as outras pessoas. O relacionamento de Deus para conosco é amoroso e redentor e nossos relacionamentos devem espelhar essas qualidades. A obra de Cristo pode ser descrita na justificação, na adoção, e na santificação, mas é na santificação que a transformação pessoal é um processo que se consolida com um relacionamento pessoal com Deus. Como embaixadores de Cristo, nós devemos construir relacionamentos de amor, graça e confiança com os outros.
Há quatro alvos centrais no amar: entrar no mundo da pessoa; encarnar o amor de Cristo; identificar-se com o sofrimento e alinhar-se ao plano.
- Entrar no mundo da pessoa: a porta de entrada é a experiência de uma pessoa acerca de um problema, situação ou relacionamento, que gera confiança horizontal, esperança vertical e compromisso com o processo.
- Encarnar o amor de Cristo: Deus usa quem somos e o que fazemos para encorajar pessoas a mudança.
No Capítulo 8, Construindo relacionamentos pela identificação com o sofrimento, o autor demonstra que identificar-se com o sofrimento demonstra o caráter humilde do ministério pessoal, reconhecimento humilde de que compartilhamos uma identidade com aqueles a quem servimos; sofrimento com propósito, de sermos aperfeiçoados pelo sofrimento, e nos dá a oportunidade de tornar a verdade concreta para as pessoas. Alinhar-se ao plano quer dizer um chamado para o trabalho de santificação.
CONHECER, que envolve os capítulos 9 e 10.
No Capítulo 9, Conhecendo as pessoas, Tripp mostra que o ministério pessoal depende de uma base de informação abundante. Não se pode ministrar a alguém que não se conhece. Jesus nos entende, pois entrou em nosso mundo, coletando dados a respeito da natureza da nossa experiência. Devemos ter o compromisso de entrar no mundo das pessoas.
Para fazer as pessoas enxergarem verdades novas, temos que fazer boas perguntas Isso ajuda na obra de transformação. Como pecadores, temos a tendência de passar a limpo a nossa história de maneira que sirva a nós, nos escondendo atrás das falhas de outras pessoas. Fazer perguntas é um modo de ajudar a encarar o que somos.
No capítulo 10, Descobrindo onde a mudança é necessária, o ministério pessoal não é apenas uma reunião de informações necessárias, mas encontrar sentido bíblico nelas. Devemos ver a vida das pessoas numa perspectiva bíblica, tem a ver com perspectiva, identidade e chamado. A boa exegese bíblica deve ir de encontro a boa exegese da vida da pessoa. Nosso conselho deve ser filtrado por um fundamento teológico sadio. Devemos organizar as informações em categorias bíblicas.
FALAR, que envolve os capítulos 11 a 12.
No Capítulo 11, O alvo de falar a verdade em amor, a confrontação é a palavra que a Bíblia usa para trazer a verdade para onde a mudança é necessária. A confrontação deve estar arraigada em nosso amor a Deus, em nosso amor ao próximo, em nossa responsabilidade moral em cada relacionamento. Para fazermos isso, precisamos examinar nosso próprio coração, se existem pensamentos, motivações ou atitudes que atrapalham o que Deus tem intenção de fazer com a pessoa. Após isso, temos que considerar o que Deus quer realizar quando confrontamos alguém.
No entanto, não podemos cair no erro de enfatizar a lei mais que o evangelho, devemos confrontar uma pessoa com o Evangelho.
No capítulo 12, O processo de falar a verdade em amor, devemos observar os quatro passos para a confrontação:
1. Consideração: perguntando o que a pessoa precisa enxergar que ela não enxerga e como posso ajudá-la a enxergar.
2. Confissão: o passo lógico após a identificação do pecado. A confissão lembra às pessoas que seus corações e suas vidas pertencem ao Senhor.
3. Compromisso: o primeiro passo do revestir-se do arrependimento.
4. Mudança: é o alvo da confrontação, não apenas o discernimento.
Para o autor, os princípios de confrontação bíblica são comunicação bidirecional, uso de metáforas, afirmações autoconfrontadoras e resumo.
FAZER, que envolve os capítulos 13 a 14.
No Capítulo 13, Estabelecendo o plano e esclarecendo as responsabilidades, mostra os ingredientes necessários para encorajar a mudança:
- Estabelecer seu plano de ministério pessoal: um plano é simplesmente um projeto para atingir o alvo, um mapa que nos mostra o destino. Precisamos saber quais mudanças específicas Deus está chamando a pessoa a fazer nessa situação.
- Esclarecer as responsabilidades: quem é responsável pelo que? O autor propõe o círculo da preocupação, que são das coisas que não estão sobre o meu controle, onde nós devemos ter confiança, e o círculo da responsabilidade, que nós devemos obedecer.
No Capítulo 14, Infundindo a identidade em Cristo e providenciando a prestação de contas, continua mostrando os ingredientes:
- Infundir a identidade de Cristo: o evangelho nos motiva não somente com a presença de Cristo e a certeza de Suas promessas, mas também com a nossa nova identidade.
- Proporcionar a prestação de contas: que requer uma disposição de arregaçar as mangas e estar ao lado das pessoas enquanto elas lutam na guerra entre o pecado e a justiça.
O propósito da prestação de contas é ajudar as pessoas a fazerem o que é certo ao longo do tempo, proporcionando uma presença que as mantém responsáveis, cientes, determinadas e alertas até prosseguirem sozinhas. Ela proporciona estrutura, direção auxílio e advertência.
Conforme já dissemos no início, o autor não buscou escrever uma obra acadêmica. Falta-lhe referências bibliográficas e teóricas e há poucas exposições bíblicas, a julgar pelo tamanho da obra e do tema. Por outro lado, sobra conhecimento prático dos conflitos humanos, demonstrando profundo envolvimento no assunto. A obra, muitas vezes, lembra um ensaio do comportamento humano, tal a profundidade e a sabedoria com que é tratado o tema.
A defesa principal do autor é de que a origem dos conflitos humanos está no coração e nos ídolos que colocamos lá, que roubam a Glória de Deus. Sendo assim, a única solução para os conflitos humanos é o coração redimido pelo Redentor. Desta forma, o autor se afasta, mesmo sem confrontar diretamente, de duas abordagens de aconselhamento bíblico. A primeira abordagem é aquela que busca nas terapias psicológicas instrumentos para a mudança e a transformação do comportamento. A segunda abordagem é aquela que busca em “textos provas” na Bíblia e em versículos de lei e exemplos a transformação do comportamento. Para a primeira abordagem, o autor defende que as Escrituras são suficientes, haja visto que o problema é um problema de pecado. Quanto à segunda abordagem, o autor defende que Cristo é suficiente. O autor não se preocupa com a busca de “textos provas” pois mostra que a única e verdadeira transformação acontece no coração, e não no comportamento, e só quem pode mudar o coração é Cristo. Sendo assim, ao invés de ficar garimpando versículos, o autor se articula pela Teologia Bíblica, e seus temas Criação Queda Redenção. A função do conselheiro não é mudar o comportamento, mas levar a pessoa a um relacionamento com Cristo, e transformar seu coração.
Essa abordagem do conselheiro bíblico é modalizada por quatro verbos, que são Amar, Conhecer, Falar e Fazer. No verbo Amar, o autor ressalta a importância do envolvimento e da identificação do conselheiro com a pessoa que busca transformação. No Conhecer, é onde o aconselhamento se destaca com um trabalho mais técnico e menos “conversa de amigos”, é quando o conselheiro vai investigar e fazer uma exegese das raízes do problema, articulando com a Bíblia e seus temas, buscando entender quais são os ídolos da pessoa. Aqui o conselheiro deve apresentar profundo conhecimento bíblico, mas também profundo conhecimento dos conflitos humanos. É neste ponto que o autor se torna mais pragmático, esboçando perguntas e métodos que possam fazer surgir os problemas. No verbo Falar, é a hora em que o Conselheiro, em amor, deve confrontar, ou seja, o alvo do aconselhamento bíblico é a transformação, e não apenas fazer a pessoa “desabafar”, sair confortável. Ela será confrontada para, enfim, poder Fazer, que acontece dentro do processo de transformação.
Entendo que esta abordagem de aconselhamento bíblico traz luz e confronto com a geração atual de crentes que, primeiro, têm buscado um pragmatismo imediato em livros de auto-ajuda que ensinam passo a passo sem, necessariamente, envolver um relacionamento com Deus. O imediatismo tem feito surgir a busca por mudanças de comportamento sem verdadeira transformação de coração, e por isso mesmo, pessoas cada vez mais cansadas e desiludidas com a vida, pois enfrentam um problema que não podem vencer. Outro fator de confronto com a geração atual de pastores é a do pensamento de que a boa exposição e exegese bíblica só é necessária na pregação, já o aconselhamento bíblico requer “achismo” e conhecimento da psicologia e das linhas da auto-ajuda. Este método leva o pastor a ser totalmente dependente das Escrituras para a transformação de suas ovelhas, e também leva-o a envolver-se com elas. Finalmente, esta abordagem também entra em desacordo com uma geração que não quer ser transformada, mas apenas tranquilizada com seus próprios problemas, quer ser consolada. O autor, no entanto, trata pecado como pecado, e o Conselheiro deve fazer o mesmo, sendo esta uma atitude de amor.
Um fator negativo é que o considerei demasiadamente repetitivo, envolvendo histórias e ilustrações fora de hora. Também, muitos dos seus pontos e passos se sobrepõe uns aos outros, e ultrapassam capítulos, atrapalhando nossa percepção do todo da obra, e fazendo com que a gente se perca. Certamente os discípulos do autor vão tornar o livro mais acessível.
Vou levar para meu ministério a maneira de me aproximar do aconselhando, da pessoa que eu auxiliarei a ser restaurada. Guardei, principalmente, as quatro características do conselheiro, de amar, conhecer, falar, fazer. Além do mais, também achei muito inovador o método de coleta de dados no aconselhamento, tornando-o menos subjetivo e mais técnico.