Nelson 28/01/2018
Uma poética disputa em um futuro distante
O livro, lançado em 1988, me parece um pequeno mistério, pois, como mencionado na resenha de meu colega (Davenir Viganon), não encontrei informações sobre o autor. Levando em consideração a crítica feita em Jogo Terminal à ditadura militar no Brasil, talvez isso aponte que Floro Freitas De Andrade seja um pseudônimo de alguém que preferiu não se identificar. Mas o teor do livro não limita apenas a isso, ele também abrange muitos temas, como o ato da escrita, da revisão, as dificuldades do isolamento e, principalmente, sobre a liberdade. Há muitas reflexões discutidas sobre esses temas e elas se apresentam tanto na trama do protagonista, Roval, quanto nos enredos das histórias criadas por ele.
Mas cabe aqui uma boa observação sobre a diferença entre essas duas narrativas: enquanto Roval se desenvolve lentamente e com muitas repetições, chegando ao ponto de ser cansativo em vários momentos, os seus personagens, pelo contrário, são bem tocantes e atingem certa profundidade rapidamente. É bastante compreensível essa diferença brusca devido ao contextos dos personagens, afinal, Roval vive "isolado" em um ovo quadrado num futuro onde o ser humano é uma cobaia. Mas essa situação cria uma morosidade que pode cansar os leitores mais habituados a conflitos na trama, pois a proposta de Jogo Terminal passa longe disso.
A escrita de Floro Freitas De Andrade é muito poética. Para qualquer descrição, o leitor encontrará poesia entremeada a cenários, pessoas, ações, etc. Isso dá uma certa beleza a leitura, já que na maioria (em minha opinião) são belas passagens e que muito exploram o sentimento de liberdade do ser humano. Mas algumas outras ficaram um pouco bregas, principalmente quando o autor exagera em adjetivos - e como há adjetivos nessas descrições!
Quanto a edição, posso dizer que a diagramação tem uma certa dose de variação. Isso facilita imaginar os momentos em que Roval está a escrever e acessar os comandos do computador em seu ovo quadrado. Mas em meio a essa "linguagem" computacional criada pelo autor, muitos caracteres, as vezes, acabam não dizendo nada ao leitor, apenas reforça uma imagem visual que já estava no imaginário do leitor desde o início do livro... Notei no miolo muitas páginas contendo letras mais fortes (tinta) na última linha, sendo que não se trata de negrito, mas isso não interfere na leitura.
Já a capa é outra incógnita. Assim como meu colega blogueiro, Davenir, também fui confundido pelo o que ela aparenta e o que o livro entrega. Explico: não é difícil imaginar uma obra cyberpunk a julgar pela capa, pois a época de lançamento confere com o auge do subgênero, o personagem (que só consigo imaginar sendo Roval) na ilustração tem o que parece ser um circuito integrado em seu cérebro e usa um óculos, item muito associado ao cyberpunk em todas as mídias (jogos de RPG, literatura, HQs, etc.), que se assemelha ao estilo ciclope. Mas quando se lê a obra, essa expectativa desaparece rapidamente.
É um livro para se pensar e que deixa bastante reflexões. Mas, infelizmente, nessa profunda exploração dos personagens criados por Roval, acabamos não tendo espaço para compreender profundamente o seu próprio mundo da Max-era. Um exemplo: qual o sentido da existência de vrillahs (quase a mesma coisa que uma prostituta) na obra? Não achei uma boa resposta, que não fosse fornecer uma cena de sexo. Alguns detalhes aqui e ali acabam deixando mais perguntas do que reflexões para o leitor, como se aquele mundo estivesse incompleto mesmo na cabeça do autor. Mas minha maior dificuldade foi em lidar com o final. Por mais que caiba ali uma metáfora sobre a liberdade, o elemento fantástico que cria essa situação é mal desenvolvido, forçando um desfecho rápido que contraria todo o andamento do livro até ali e, pior, a situação é mais comentada pelo narrador do que realmente descrita por Roval, fazendo com que maior parte da emoção não seja passada ao leitor. Daí surge outro problema: se já era necessário muita suspensão de descrença para lidar com aquele elemento fantástico, a conclusão do embate entre M-Max e Roval é tão ilógica, que só consigo imaginar que o autor quis passar uma mensagem otimista e o fez em detrimento da história e da verossimilhança. Para uma obra que havia me despertado interesse, o final foi um balde de água fria!