wesley.moreiradeandrade 11/01/2017
A infância e a adolescência sempre renderam ótimas obras literárias de cunho memorialista. Infância, do sul africano vencedor do Prêmio Nobel J. M. Coetzee, evoca também este período marcante e confuso de nossas vidas numa trilogia composta também pelos títulos Juventude e Verão. Poderia ser mais uma obra nostálgica, mas o narrador da estória, claramente inspirada na própria infância do autor de Desonra, faz toda a diferença e desfaz qualquer ambientação difusa, mesmo amparando-se no olhar curioso e inquietante de uma criança. A começar pelo uso dos verbos no presente que dá um duplo sentido dos acontecimentos que estão sendo transpostos para este romance. Por mais que o recurso cause ao leitor uma sensação de fatos acontecendo simultaneamente à leitura, sabemos que o próprio autor faz um retorno ao seu passado, não há como deixar a impressão de que as situações são rememoradas, num texto claramente autobiográfico. Sob o olhar do jovem Coetzee acompanhamos, de forma velada, os acontecimentos sociais de uma África do Sul cuja língua se dividia entre o inglês e o africânder, o tratamento preconceituoso dado aos negros (que deixa o garoto totalmente constrangido) e sua precária condição social; a educação rígida que recebia nas escolas que também possuíam seu modo de segregação (além dos professores que incutiam a cultura do medo com as varas que agrediam os alunos que não se comportassem); as crises familiares, a admiração da força da mãe, sempre presente e disposta a protegê-lo, fato que deveras o incomoda e o acomoda, o ódio implícito ao pai e certo desprezo pelo irmão, a estadia prazerosa na fazenda da família do pai, a falta de adaptação ao novo bairro onde foi morar. Infância é a África do Sul pós Segunda Guerra vista pelos olhos inquisidores de uma criança que percebe os contrastes do país através do microcosmo familiar e dos papéis sociais exercidos por negros, brancos, africânderes e ingleses. A infância representada por Coetzee não está isenta da dureza do mundo e isso reflete na sua prosa igualmente rochosa e arisca, que retrata um ser humano em formação, num constante devir e amadurecer.
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