Gustavo Araujo 16/06/2013
Sem fôlego
O corredor tcheco Emil Zatopek é uma figura extraordinária. Por aproximadamente dez anos, reinou absoluto no mundo do atletismo, especialmente nos 10 mil metros, além de ter sido também um vencedor voraz dos cinco mil e de todas as distâncias até os 30 quilômetros, estabelecendo recordes mundiais seguidos em todas elas.
Mas não foi só isso.
Muito antes de começar a correr, Emil testemunhou a chegada dos nazistas e a anexação da Tchecoslováquia. Foi obrigado a trabalhar sob condições difíceis para os invasores até dar os primeiros passos nas pistas, ainda que de modo forçado.
No caminho entre simples desconhecido e figura mais famosa do atletismo mundial, Emil viu a retirada nazista e a ascensão do domínio soviético em Praga. Não obstante, Emil viu-se de certa forma beneficiado: como membro do Exército tcheco, nada mais fez do que impor a si mesmo uma rotina de treinamento duríssima.
O resultado foi compensador: o ouro olímpico em Londres (1948) nos dez mil e a prata nos 5 (mil). Quatro anos depois, em Helsinki, levou três medalhas de ouro – nos cinco mil, nos dez mil e na maratona – um feito até hoje não igualado.
Alçado ao posto de herói nacional e modelo para a propaganda soviética, Emil continuou a bater marcas em todas as distâncias imagináveis, até a inevitável decadência, por volta dos 36 anos. Mesmo assim, manteve inabalável seu status entre os esportistas mais conhecidos do mundo – ainda que fosse proibido de viajar sem autorização do governo.
Em 1968, apoiou a primavera de Praga, o que bastou para que caísse em desgraça quando os tanques de Moscou sufocaram a revolta. Expulso do Exército e de seu cargo no Governo, Emil terminou trabalhando em minas de extração de urânio no interior da Tchecoslováquia. Depois foi promovido a lixeiro, em Praga, até que o governo o fizesse assinar uma confissão, na qual Emil se arrependia de ter tomado partido dos contrarrevolucionários, dos burgueses, dos reacionários. Só seria reabilitado novamente em 1990 por Vaclav Havel, com o colapso do Muro de Berlim. Morreria em 2000, aos 78 anos.
Isso está na internet. Não é difícil encontrar.
E é só o que se acha no decepcionante livro de Jean Echenoz, “Correr”, publicado pela Alfaguara.
Não há detalhes, não há imersão alguma na complexa personalidade da “Locomotiva de Praga”, como Emil se tornou conhecido. O autor apenas limita-se a uma abordagem rasa, sem qualquer novidade ou entusiasmo, preferindo tecer linhas inúteis e repetitivas sobre a maneira peculiar com que Emil corria, ou parágrafos intermináveis sobre a sonoridade de seu nome.
As descrições da vitória em Londres parecem mais um relatório digno da máquina burocrática soviética. A prata nessa mesma Olimpíada, então, é mencionada em uma linha. Uma linha... Não é difícil imaginar como Emil deve ter ficado decepcionado com essa derrota, mas nada há a respeito disso, aliás, documentada em vídeo com uma qualidade surpreendente disponível no Youtube.
Pior ainda são os trechos dedicados à Olimpíada de Helsinki (1952). Essa ocasião – o auge de Emil Zatopek – merecia um mergulho profundo: a preparação, a tensão, os concorrentes, as dificuldades. Mas, não. Nada há. Chega a ser patético.
Não menos enervante é a maneira como Echenoz escreve. Utiliza-se sempre do tempo presente. Algo assim: “Emil larga bem. Com passadas pesadas, vence. É ovacionado. Fica feliz. Volta para casa. Dana está contente também.”
Sei que muitos podem ter apreciado a curta leitura (124 páginas), mas creio que Emil Zatopek merecia um livro melhor, mais robusto, mais sério, mais honesto. A mim pareceu uma obra oportunista, extremamente superficial, apesar de a orelha da obra apontar que o autor narra a vida do corredor com “riqueza documental”. Uma piada de mau gosto, nada mais.
Não conheço outros livros sobre essa pessoa fantástica, esse corredor extraordinário, que foi Zatopek. Mas desconfio que uma biografia digna e definitiva ainda está por ser escrita.