Pandora 28/03/2021Eu passei grande parte da minha vida sem saber quem era Júlia Lopes de Almeida. Sendo Literatura minha matéria preferida na escola, divido a culpa com a História escrita por homens, que relegaram mulheres a segundo plano.
Além de escritora, cronista, teatróloga e abolicionista, foi uma das idealizadoras da Academia Brasileira de Letras, mas não pôde tomar posse porque seus coleguinhas decidiram que a academia deveria ser estritamente masculina. Colocaram, então, seu marido no lugar.
Porém, em 1916, um grupo de intelectuais cuiabanas criou o Grêmio Júlia Lopes, que se dedicava principalmente à produção literária através da revista A Violeta; esta circulou até 1950 e sempre foi feita apenas por mulheres, sendo uma delas a própria Júlia.
Neste A viúva Simões, Júlia trata, ainda que de maneira discreta, dos papéis de homens e mulheres na sociedade de fins do século XIX no Rio de Janeiro. Ernestina, a viúva, mostra-se sempre preocupada com a opinião alheia, com o luto que deve manter até a data ditada pelas convenções sociais, com o recato que se espera dela. Em contrapartida temos o Rosas, que tendo sido abandonado pela mulher - além de levar todas as joias, ela fugiu com um primo dele -, espalha sua história aos quatro ventos, sem constrangimento, “para servir de exemplo”.
Ernestina leva uma vida pacata e reclusa após a morte do marido e impõe o mesmo à filha adolescente. Um dia, lê no jornal que Luciano, seu primeiro amor, voltou da Europa, onde morara por um longo período. Mesmo reconhecendo que nem pensava mais nele, ao saber que ele está ali, todo o passado volta e ela deseja vê-lo. O que acaba acontecendo, claro, e bagunçando toda a sua vida certinha.
Uma coisa que prezei na narrativa da autora é que ela é muito lúcida quanto aos pensamentos e ideais de homens e mulheres. Enquanto Luciano pensa que pode ter um romance com uma mulher que o atrai, sem que tenha que se casar com ela, Ernestina vê no casamento a única opção possível:
“Já não importava tanto que ele amasse a outra, contanto que se casasse com ela!… Ser abandonada sendo formosa e livre era uma monstruosidade! - pág. 96.
Nada em comum com esses romances tontos ainda escritos em pleno século XXI que criam um homem ideal tão inverossímil quanto os príncipes dos contos de fadas e que depois tem quem acredite que vá encontrar um por aí.
Quanto ao final, eu acho que poderia ser contado de forma menos melodramática. Poderia ter seguido o mesmo propósito, mas com mais impacto e menos drama. O que me incomoda em alguns desses romances antigos é quando as mulheres se desestabilizam fortemente por questões sentimentais, mesmo aquelas que sempre foram altivas e corajosas. Ou alegres e despreocupadas. É como se fosse apertado um botão que tira toda a força física e mental de uma pessoa sã de uma hora para outra. Sei lá, não me parece natural.