Felipe.Laurindo 29/08/2016
Anos de Tormenta
Com uma escrita afiada e dinâmica, Cronin nos apresenta os relatos de uma parte da vida de Robert Shannon. A narrativa em primeira pessoa destaca o que este jovem médico almeja em sua carreira e todos os empecilhos que a vida acaba colocando em seu caminho tortuoso. Tudo começa com uma bela introdução da sua rotina como um simples ajudante de certo departamento científico, onde tudo nos é descrito com esmero e paciência. A atmosfera mesquinha, o colega de trabalho que lhe é indiferente, o ajudante que nutre um ódio quase instintivo por Robert e seu chefe que se importa mais com o prestígio do que com a pesquisa científica em si; tudo faz parte de um contexto onde nosso querido personagem se sente preso pelas obrigações profissionais e sociais.
O desenvolvimento do personagem principal vai se tornando muito orgânico e honesto na medida em que vamos acompanhando suas mais variadas atitudes com relação a certos acontecimentos. Robert possui certa propensão a ser espontâneo e sincero, agindo muitas vezes de acordo com as emoções que lhe afloram. O belo contraste entre sua mentalidade racional, desenvolvida pelo exercício da ciência, e essa sua propensão a atitudes mais temperamentais e irrefletidas, faz com possamos nos deleitar com um personagem complexo e nada estereotipado.
A despeito de toda sua tentativa de autodomínio, Robert acaba traçando certos caminhos na sua vida, que se originam devido a sua falta de pudor e excesso de espontaneidade. Além de tudo, percebemos uma grande propensão à autocrítica por parte do personagem, juntamente com certo excesso de indulgência para com as atitudes mesquinhas das pessoas. Shannon é sempre muito severo para consigo e, em alguns momentos, se considera um crápula e indigno de qualquer benefício que a vida possa lhe proporcionar.
Vários elementos importantes tornam o ambiente do livro muito complexo. O autor nos relata o desenvolvimento do grande amor do personagem por uma jovem simples, religiosa e provinciana chamada Jean. Esta personagem enfrenta ao longo do livro, um embate entre suas velhas tradições e sua vontade de amar efusivamente. É nesse momento que Cronin nos mostra o quão repressor pode ser um sistema de educação baseado em preconceitos e obrigações religiosas. O autor nunca ataca feroz e covardemente a religião, mas pura e simplesmente nos mostra as frustrações que esta pode causar em certos indivíduos que possuem anseios diferentes e mais expansivos. Apesar disto, nos mostra a dose de hipocrisia e egoísmo que a vontade de impor certo virtuosismo religioso aos filhos pode ter.
Cronin desenvolve toda a complexidade de uma vida com uma narrativa simples. Ao final de tudo, é sobre isso que devemos refletir: a simplicidade. Isso porque, apesar de todas as suas ambições e anseios científicos, Robert só se sentiria completo ao lado de seu grande amor. Acredito que, ao findarmos o livro, é quase impossível não sentirmos certa sensação de purificação.
É particularmente tocante a maneira como o amor entre os dois jovens, Robert e Jean, é desenvolvida. Tudo acontece naturalmente e sem afetação, nos mostrando um amor sincero e espontâneo. A maneira como é traçada a personagem Jean, com sua doce ingenuidade e falta de conhecimento da vida, faz com que fiquemos encantados.
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