Ludmila119 31/08/2016
A questão dos livros
No meio literário, uma das discussões em maior evidência é sobre o que acontecerá com o livro. Nunca se produziu e vendeu tanto, e ainda entram no mercado novas tecnologias de leitura que prometem mudar o cenário literário. Aqui no Brasil, o mercado editorial baseado na digitalização ainda está engatinhando, mas nos Estados Unidos esse é um tema discutido há muito tempo, e os números só apontam para o crescimento do consumo de e-books e e-readers. A Questão dos Livros (Companhia das Letras), do historiador Robert Darnton, faz justamente essas reflexões, mas por um olhar acadêmico. Nessa reunião de ensaios e artigos, o autor fala de questões relacionadas ao presente, passado e futuro do livro e, principalmente, das digitalizações de obras promovidas pelo Google.
Darnton trabalhou como jornalista e é especializado na história do mercado editorial francês do século XVIII. Atualmente, é diretor da Biblioteca da Universidade de Harvard, que conta com um acervo com mais de 14 milhões de obras. Em A Questão dos Livros, ele divide seus textos em três partes, começando pelo futuro do livro. Aqui, o assunto mais recorrente é o Google Book Search, iniciativa da empresa em digitalizar acervos de grandes bibliotecas e disponibilizá-los em um banco de dados para acesso de qualquer pessoa. Sua opinião sobre esse empreendimento é dividida. Por um lado, aprova a ideia, pois facilita a difusão de conteúdo e de conhecimento. Por outro, desaprova a ideia de cobrar pelo acesso a essas informações, forma escolhida pela empresa para pagar pelos direitos autorais das obras depois de um processo que terminou em acordo entre editores, autores e o Google.
A crítica de Darnton a esse lado mercadológico do Google Book Search é necessária. Como ele afirma, será uma assinatura para o acesso ao banco de dados inclusive das bibliotecas que lhe cederam gratuitamente as obras para digitalização. Outro ponto negativo dessa iniciativa apontada pelo autor é o possível monopólio que será construído pela empresa, que quer atuar sozinha na distribuição online desse tipo de conteúdo. Darnton caracteriza isso como a privatização de um bem público, e condena o poder sobre todos esses acervos digitais nas mãos de uma única empresa. Ele mesmo admite que os termos do contrato entre o Google, editoras e autores são confusos, mas apresenta de forma clara as questões mais polêmicas sobre esse caso.
Apesar de declarar abertamente seu apreço pelos livros físicos, ou melhor, pelo códice, Robert Darnton se mostra um entusiasta dos livros digitais. Falando sempre com o olhar de pesquisador, na parte sobre o presente do livro ele narra iniciativas que comandou para a publicação de obras na internet. Um dos artigos mais interessantes é o relato da criação e resultados do projeto Gutenberg-e, liderado por ele em 2000. O projeto consistia na publicação de monografias no formato e-book como forma de facilitar a entrada de jovens pesquisadores de História na carreira acadêmica. Darnton faz todo um histórico sobre a crise da publicação de monografias, fruto de uma reação em cadeia que começou com o aumento do preço de periódicos que obrigou as bibliotecas a fazerem cortes em suas verbas. Ele apresenta toda a proposta do projeto e faz um relatório dos resultados até o seu último ano de implementação, em 2006. Um outro objetivo do Gutenberg-e, segundo Darnton, era afirmar a seriedade dos e-books, tratá-los com o mesmo respeito de um livro publicado fisicamente.
Ao falar do passado, o historiador apresenta o estudo da História do livro, pesquisas sobre o comportamento do mercado editorial e também sobre a preservação do papel. O primeiro texto é um ensaio que realizou sobre o livro Doublé Fold, de Nicholson Baker, uma espécie de denúncia contra a destruição de coleções de jornais promovidos por bibliotecários dos Estados Unidos em nome da preservação. Darnton reafirma a durabilidade dos códices, falando criticamente do livro de Baker e de como ele apresentou essa caça ao papel nas bibliotecas. Ocorrida com mais freqüência nos anos 80, bibliotecários americanos começaram a implantar a preservação de periódicos antigos em microfilmagem, danificando e, literalmente, jogando no lixo jornais e revistas antigas que são o material básico para um estudo histórico – mas não o mais importante, ressalta o autor.
E a crítica está justamente na qualidade dessas conversões, em que Darnton aponta seu curto período de vida: muitos microfilmes já estão deteriorados e se perdeu muito material com as fotografias feitas às pressas. Ele concorda e condena a atuação desses bibliotecários assim como Baker, mas também critica a forma como o autor fez esse relato apocalíptico e malévolo contra as bibliotecas, mostrando os exageros textuais da obra. Ainda falando do passado, Darnton mostra de forma bem didática como funcionam os estudos sobre a História do livro, usando como exemplo pesquisas que procuraram entender o comportamento de editoras, livreiros e leitores do passado. Ele afirma o quão complicado é definir como se lia antigamente e o real impacto dos livros na sociedade, um artigo que só aumenta a curiosidade do leitor, que está tendo esse primeiro contato com estudos sobre o livro.
A Questão dos Livros trata de tantos pontos interessantes ligados à História do livro que é impossível falar de todos em um texto só. Para alguns, pode parecer um ode ao livro de papel, uma opinião atrasada sobre essa plataforma de leitura. Mas Robert Darnton fala de forma tão entusiasmada sobre a internet nesse meio, que mostra que os e-books são sim o futuro do livro, mas que ainda há muito o que ser estudado para garantir a preservação das informações e um modelo justo de distribuição do conhecimento. Segundo ele, papel e internet vão coexistir por um bom tempo, e nem e-books, nem livros físicos, devem ser tratados como meios irrelevantes de leitura. Mesmo apresentando essas reflexões por um lado mais acadêmico, A Questão dos Livros é recomendado tanto para quem ama livros, quanto para os otimistas do mercado digital.