ana :) 03/03/2023
Selvagem do coração branco
Primeiramente, é essencial que para a leitura de um livro como este exista um conhecimento prévio do contexto histórico, caso não ocorra, o leitor, se bem integrado a certos absurdos, julgará a obra um horror. Bom, apesar de já conhecer a história do livro e da escola literária, não deixo de achar a história grotesca.
José de Alencar foi um brasileiro do século XIX, dessa maneira, sua produção literária está profundamente ligada com um dos objetivos do Segundo Reinado: criar uma identidade nacional. Desse modo, a figura do indígena é idealizada para os padrões cavalheirescos da Europa medieval.
Em O Guarani, conhecemos Cecília, uma brasileira que tem a família ainda ligada às tradições portuguesas; descrita com toda a inocência de uma moça recatada de 18 anos, ela é a personificação da cristã do coração puro. Já Peri, um selvagem pagão, diferencia-se dos outros nativos por sua submissão ao fidalgo e sua filha, o que é entendido como uma grande salvação para sua alma perdida no pecado.
Peri devota sua vida à moça após associá-la a Nossa Senhora, com quem teve uma visão. Assim, ao salvá-la uma vez de uma pedra, aproxima-se da família e se compromete a proteger a moça, incluindo satisfazer todas as suas vontades ? até mesmo aquelas que envolvem caçar uma onça. Por sua vez, Cecília se afeiçoa do indígena, buscando sempre a adulação que ele lhe oferece. Somente no final do livro que a menina enxerga Peri além de um escravo, como também é somente no final que Peri torna-se cristão, com o objetivo de salvar, mais uma vez, Cecília.
Enquanto isso, há ainda dois aventureiros, Loredano e Álvaro, ambos apaixonados por Cecília mas com diferentes intenções. Já no final do livro, há a punição destinada ao italiano que traiu seu manto religioso, enquanto Álvaro apaixona-se por Isabel, a prima. Contudo, ambos possuem um destino trágico, um pela fogueira e outro pelo combate, que levou também à morte de Isabel com todo seu amor a Álvaro.
É interessante como está presente em todo o momento do livro a ideia do bom colonizador e do bom selvagem. O primeiro trouxe a civilização e o outro a submissão para que se formasse este país. Sob mesma perspectiva, a associação de selvageria, ruindade e desapropriados de bons costumes aos outros nativos que não se renderam a colonização e resistiram seja pelo combate seja pela perpetuação de sua cultura está presente no combate final entre os aventureiros e os indígenas Aimorés.