A Harmonia Oculta

A Harmonia Oculta Osho




Resenhas - Harmonia Oculta, A


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Carla.Parreira 15/10/2023

A harmonia oculta
Alguns trechos: Se Heráclito tivesse sido aceito, a história do Ocidente teria sido totalmente diferente. Mas ele não foi compreendido. Cada vez mais foi distanciando da corrente principal do pensamento e da mente ocidental. Para os gregos ele era apenas um alienígena, um excêntrico um tanto estranho. É por isso que seu nome permaneceu desprezado, num canto escuro; aos poucos foi sendo esquecido. Ele não se embasava na lógica como Aristóteles, mas sim no Logos. A lógica é uma doutrina sobre o que é a verdade, e o Logos é a própria verdade.
A cada sete anos o corpo muda, pois chega num ponto onde o velho desaparece e o novo se instala. Mas existe um período de transição onde tudo é liquido. Se quisermos que uma nova dimensão se introduza em nossa vida, é precisamente esse o momento. Exatamente da mesma maneira isso ocorre na história da humanidade como um todo. A cada vinte e cinco séculos acontece um clímax, e se soubermos usar esse momento, poderemos facilmente tornar-nos Iluminado.
Essa é a dimensão da consciência: a cada vinte e cinco séculos o círculo se completa, mas antes que o novo começa, há um espaço através do qual podemos escapar; a porta está aberta por alguns anos. Olhemos para a vida: há uma contradição em todo lugar, mas não há nada de errado na contradição: é só porque ela é insuportável à nossa mente lógica.
Se atingirmos uma percepção mística, ela se torna bela. Na verdade, sem essa percepção não pode haver beleza. Se não pudermos odiar a mesma pessoa que amamos, não haverá nenhuma tensão em nosso amor. Ele será uma coisa morta, não terá nenhuma polaridade, e tudo ficará velho.
Através do oposto, através da tensão dos opostos, tudo vive e torna-se mais profundo. A mensagem mais profunda de Heráclito é esta: tudo flui e tudo mu da; tudo se move, nada é estático. E quando nos apegamos a alguma coisa, perdemos a realidade. Apegar é o problema, pois a realidade muda e não fluímos com ela quando nos apegamos. Tudo vive através da mudança, e mudar significa mudar para outra polaridade.
Movemos-nos de um polo a outro, e é assim que nos tornamos cada vez mais vivos e novos, ou seja, entre os opostos existe uma harmonia oculta. No centro somos existenciais (harmonia oculta), na superfície somos sociais (harmonia aparente). O cristianismo perdeu muitas coisas bonitas porque tentou criar uma harmonia aparente. Há vinte séculos os teólogos cristãos preocupam-se com o Demônio: como explicá-lo? Se ele existe, Deus deve ter permitido isso. Se Deus não pode destruí-lo, logo se torna impotente. Se Deus criou-o sem saber que ele se tornaria um demônio, então Ele não é onisciente. Se o Demônio existe, então Deus não pode ser onipresente, pois quem então estaria presente no Demônio? Portanto, Deus não pode estar em toda parte, pelo menos não no coração do Demônio.
E se Ele não está no coração do Demônio, por que então condenar o pobre Demônio? A simplicidade que explica tudo isso está no fato de haver uma conspiração: uma harmonia oculta. Deus proibiu Adão de comer só para tentá-lo: esta é a primeira tentação, provinda de Deus, porque sempre que se diz ?não faça isso?, a tentação acontece.
O jogo é da mente e não de Deus e/ou do Demônio. Existe oposição para que haja o jogo, mas no fundo há uma unidade interior. As duas coisas são necessárias para que o jogo continue: oposição e ainda assim harmonia. A harmonia na discórdia, a unidade na oposição, eis a chave paradoxal de todos os mistérios. Um músico toca com um arco e uma lira; a oposição está apenas na superfície onde há uma colisão, uma luta, um confronto, uma discórdia, mas disso nasce uma bela música. Estamos exatamente entre a vida e a morte. Por isso não temamos nem a morte, nem tampouco nos prendamos a vida. Sejamos a harmonia da musica entre a lira e o arco. Nunca se sabia como Jesus iria se comportar. Seus discípulos mais próximos perceberam que não podia prever o que ele faria. Um homem imprevisível; fala de amor e de repente entra num templo, tira um chicote e expulsa os mercadores; fala de compaixão, fala em termos de ?amar os inimigos? e arruína todo o templo, se mostra rebelde.
Num lugar diz para amar os inimigos, e depois se comporta como se estivesse cheio de raiva, não só com as pessoas, mas também com as árvores: amaldiçoou uma figueira. Aproximara-se de uma figueira e sentiram fome, mas não era época de figos. Olharam para a árvore e não havia frutos, e conta-se que Jesus amaldiçoou a árvore.
Aqui cabe uma explicação: um moralista é um homem superficial.
É ele quem vive para as regras, e não as regras para ele. Vive para as escrituras, e não as escrituras para ele. Ele obedece às regras, e não à consciência.
Se obedecermos à consciência, à observação, alcançaremos uma harmonia oculta. Não ficaremos preocupados com os opostos, poderemos usa-los como Jesus fez. Podendo-se usar os opostos, temos uma chave secreta: pode-se tornar o amor (polo positivo) mais bonito através do ódio (polo negativo). O ódio não é inimigo do amor. Ele é o próprio tempero que torna o amor mais belo. Podemos intensificar a compaixão através da raiva, e elas não serão opostas. É isso o que Jesus afirmou ao ensinar que amassemos os nossos inimigos.
Numa harmonia oculta os opostos se tombam, se fundem e tornam-se um. Todos os sentimentos do polo negativo podem ser usados quando transformados dentro da harmonia oculta. A princípio isso parece difícil de ser entendido, porém isso se torna mais prático do que teórico simplesmente a partir da conscientização. Consciência significa que tudo o que está acontecendo no momento acontece com plena atenção: estamos presentes.
Todo o polo negativo só acontece quando estamos adormecidos, inconscientes. Quando estamos presentes começa uma transformação imediata em nosso ser, porque atentos, muitas coisas simplesmente não são possíveis. Tudo o que se chama de ?pecado? não é possível quando estamos em alerta. Assim, na verdade, só existe um pecado, que é a inconsciência. Essa é a parte prática de toda a teoria. A origem da palavra pecado é estar ausente. Não significa cometer alguma coisa errada, mas apenas estar à parte. Não é preciso esforço para mudar as coisas dentro de nós, até por que isso mais atrapalha do que ajuda, e nada acontece, pois geralmente cometemos os mesmos erros e repetimos os velhos defeitos. O segredo é estar alerta.
Não precisamos abandonar o polo negativo, mas simplesmente estar consciente para que ele por si mesmo desapareça, se torne impossível de vir á tona. Pecado é tudo aquilo que se torna impossível de acontecer quando estamos despertos, em alerta. Vigilante de si mesmo no aqui e agora, somente pode fluir virtudes.
Na linha horizontal nos movemos com uma motivação para conseguir alguma coisa ou ser feliz. Movimento motivado significa sono. Um movimento desmotivado significa consciência: movemos-nos por puro prazer, por que isso é vida, é energia, e nada mais nos é preciso. Não há nenhum objetivo, não estamos atrás de nada. Na verdade não está indo a parte alguma, está apenas deleitando com a energia. O movimento tem seu próprio valor intrínseco, e nenhum valor extrínseco. A existência se move para a eternidade; a mente se move no tempo.
A existência está se movendo para baixo e para cima; a mente se move para frente e para trás, e isso é sono. Quando nos movemos verticalmente, isso é consciência. Por isso devemos trazer todo o nosso ser para o momento sem permitir que o passado ou futuro interfira.
O passado está morto. Jesus disse para deixar que os mortos enterrassem seus mortos. O passado é só uma memória do que não existe mais. O futuro também não existe, pois ainda não chegou. Tudo o que fizermos a respeito do futuro gerará frustração, pois o Todo tem seus próprios planos.
Por que querer ter os nossos planos em contraposição com os planos do Todo? E se os planos forem os mesmos, certos de ocorrer pela vontade do Todo, por que preocupar ou tecer estratégias que faça nossa mente perder o momento mais preciso que é o agora? Viver voltado para o depois é tornar-se escravo da mente. A Existência tem seus planos e é mais sábia do que nós. O Todo tem seu próprio destino, a sua própria satisfação.
Quando perdemos o momento presente desajustando-nos da confiança depositada no Todo, cometemos o habito do pecado, tornamo-nos inconsciente, pois sempre que o futuro faz-se presente o perdemos pensando mais além, ou então lá atrás. Tudo o que existe é aqui e agora, não pode ser diferente. Se a mente está fixa no amanha, ele nunca vai ser o hoje. Esse é o significado da raiz hebraica de pecar: deixar passar.
O tempo é o mundo e a eternidade é Deus. O mundo é horizontal e Deus é vertical. Ambos se encontram num ponto: o aqui e agora. Sempre que percebermos que fomos para o passado ou para o futuro, não criemos problemas por isso; simplesmente voltemos para o presente retomando a consciência. Não criemos culpa. Quando sentimos que existe algo errado, imediatamente nos sentimos culpado, pois a mente é ladina demais. Entretanto, não precisamos entrar nesse jogo mental.
A única coisa possível a fazer é não criar culpa e simplesmente voltar à atenção ao presente. O plano vertical não conhece problemas ? é puro deleite; sem qualquer ansiedade, angústia, preocupação ou culpa. Um dia, subitamente, a horizontal desaparece. Quando a consciência torna-se perfeita este mundo que criamos a partir da mente simplesmente desaparece.
A ilusão some como o despertar de um sonho.
A existência é como uma tela onde projetamos a própria mente e vemos coisas que não existem, deixando de ver as que existem. A mente tem explicações para tudo. Ela cria teorias, filosofias, sistemas, tudo só para nos fazer sentir confortáveis, assegurando-nos que não há nada errado em dormir e sonhar que se está desperto vivendo.
Querendo aprisionar a vida ao nosso modo, de acordo com os caprichos dos nossos desejos de realização, ficamos imerso no sono profundo da inconsciência, remoendo ou relembrando o passado e arquitetando contra o futuro.
Em todos os lugares aprendemos a ser racionais, e não míticos. Mas Deus é um mistério, e não um silogismo. É por isso que ter fé é cair num abismo, desaparecer dentro dele. Em Deus todas as oposições se fundem, e isso não pode ser explicado pela razão. O corpo todo é como uma casa e a mente é o morador ou dono. A vida (Deus) vem e bate a porta, mas estamos a viajar, pois a mente que divaga na inconsciência ou sono nunca está em casa.
Quando agimos e falamos com plena atenção sentimos uma profunda mudança em nós, pois isso por si próprio transforma os nossos atos, e tudo o que é negativo desaparece naturalmente.
Portanto não podemos cometer pecado, e isso não significa ter autocontrole, pois o controle é um substituto muito pobre do estado de alerta. Os atos não significam nada, eles não têm importância. A nossa atenção, o nosso estar consciente, atento, é o que importa.
O erro não está nos atos em si, mas na inconsciência que os gera. Tudo depende do estado de alerta. Quando conhecemos a Consciência, nada mais vale a pena, pois já conhecemos a maior graça da vida. Então, subitamente, muitas coisas simplesmente desaparecem; tornam-se estúpidas, todas.
A motivação não existe, o desejo não existe e os sonhos ruíram. Os despertos tem um mundo em comum; os adormecidos, cada um o seu próprio mundo privado. Tudo o que é privado pertence ao mundo dos sonhos. A verdade é um céu aberto, é para todos, é uma. A ressurreição de Jesus não é um fenômeno físico.
Os cristãos criaram desnecessariamente muitas hipóteses sobre isso. Não é uma ressurreição na dimensão de outro corpo, que nunca morre. Este corpo é temporal, o outro é eterno. Jesus ressuscita em outro mundo, o mundo da Verdade; o mundo privado desapareceu.
A sociedade está interessada em fazer de nós um robô, não um revolucionário, porque o robô é mais útil. É fácil dominar um robô, assim como é quase impossível dominar um homem de autoconhecimento. Como se pode dominar um Jesus? Como se pode dominar um Buda ou um Heráclito? Ele não cederá, não obedecerá a ordens.
Ele se moverá através de seu próprio ser. Será como o vento, como as nuvens; ele se moverá como os rios. Será selvagem, naturalmente belo, natural, mas perigoso para a falsa sociedade. Ele não se ajustará. A menos que criemos no mundo uma sociedade natural, um Buda continuará sendo sempre um desajustado, e um Jesus certamente será crucificado. A sociedade quer dominar; as classes privilegiadas querem dominar, oprimir e explorar.
Esta é a primeira dificuldade: conviver em sociedade. A segunda dificuldade é ainda maior: evitar o próprio ego, ou seja, libertar-se da vontade de dominar, ter posses ou poder, ser livre não explorando e não aprisionando ninguém. As duas dificuldades são lados de uma mesma moeda. Essa é a moeda que surge no autoconhecimento.
Primeiro paramos de dominar, de possuir e explorar, e de repente seremos capazes de escapar da armadilha da sociedade. O ego é o problema: é por isso que não conseguimos nos autoconhecer, pois o ego nos dá indubitáveis imagens falsas de nós mesmos. E enquanto carregamos essas falsas imagens tudo o que sentimos é medo.
Todos nós temos um belo ser interior, mas esse belo ser não está na periferia, está no centro. Para alcançar o centro, temos de passar pela periferia sem fugir, e principalmente, sem criar ?máscaras? que nos escondam. Temos de atravessar toda a feiura, toda a negatividade da superfície, e quando estamos prontos e maduros o suficiente, aí sim alcançamos o centro onde somos Deus. Na periferia somos apenas uma sociedade em miniatura.
A beleza intocável, a perfeição infinita, é o nosso centro inocente, nosso ser imaculado. É por isso que Heráclito diz: ?Conhece-te a ti mesmo?, porque essa é a única sabedoria. Quando nos sentimos uno com a verdade, tudo se agrega e se harmoniza. Sentimos um ritmo constante que é a felicidade. Estes são os dois caminhos: o autoconhecimento enquanto caminho do mundo e a lembrança de si mesmo enquanto o caminho de Deus. E o paradoxo é que aquele que busca a felicidade nunca a encontra; e aquele que busca a verdade e não se importa com a felicidade, encontra-a sempre.
Um homem que se conhece é feliz, não por qualquer razão, pois sua felicidade não tem causa. Não é uma coisa que lhe acontece, é toda a sua maneira de ser. Ele é simplesmente feliz porque não consegue ser de outro modo. Para onde quer que se mova, leva dentro de si a felicidade.
Se você atira esse homem no inferno, ele cria à sua volta um paraíso; com ele, um paraíso penetra no inferno. No autodescobrimento profundo chegamos a nós mesmos enquanto essência divina que é luz, e podemos iluminar todo o nosso redor, pois o mundo que nos rodeia não é mais do que projeção do mundo que carregamos dentro de nos, ou seja, o nosso estado de espírito chamado de autoconsciência.
A mente sempre insiste nos extremos.
Quando estamos exatamente no meio, a mente perde sua influência e fica desempregada. A mente tem uma tendência para encontrar sempre motivos para nos fazer sentir miserável. Ela cria todas as misérias, pois num estado de graça ela se torna nula de utilidade. Quando a mente sugere algo oposto é melhor ficar alerta e não ouvi-la. O equilíbrio não está em nenhum lado oposto, mas sim no meio termo. Lao Tsé disse: ?Confio-lhes três tesouros.
Um deles é: ame. O segundo tesouro é: não vá nunca para o extremo. E o terceiro é: seja natural.? E ele diz que tudo se resolverá por si mesmo. Apenas estando no meio termo não há nada a proclamar. E quando não há nada a declarar, o ego não é alimentado. O ego se alimenta do desequilíbrio, dos extremos, das polaridades. Ser simplesmente comum estando no meio termo é a maior virtude. O verdadeiro silêncio vem quando começamos a falar apenas a verdade. O resto não precisa ser dito.
Fiquemos na alerta para referir apenas ao momento presente. Enquanto tivermos humores que variam, devemos evitar promessas, validando apenas o agora. Só uma pessoa Iluminada pode dizer alguma coisa em relação ao momento seguinte, pois ela chegou a um ponto onde tudo é eterno exatamente aqui e agora. A sabedoria é vasta, contém todos os opostos reunidos. E nós precisamos de um coração sensível para penetrar nesses absurdos; essa é a verdade.
A confiança é a arma para penetrar no absurdo de um homem Iluminado. Então, de repente, tudo se ajusta. Subitamente veremos, através do absurdo todo, o uno, o único.
Pensar em Deus como uma pessoa é antropocentrismo. Na Bíblia está escrito que Deus criou o homem a Sua imagem, mas a verdade parece ser exatamente o contrario: o homem criou Deus à sua própria imagem. E os homens diferem fazendo haver muitos Deuses no mundo. Deus não deve ser concebido a nossa imagem; pelo contrário, temos de abandonar a nossa imagem, temos que destituir da nossa imagem para nos tornarmos um espelho onde o Todo se reflita em nós.
Deus é energia. É consciência absoluta. Deus é graça, é êxtase; indefinível, ilimitado; não tem começo nem fim; para todo o sempre, eterno, atemporal, além do espaço ? porque Deus significa totalidade. O todo não pode ter uma personalidade, pois ele compreende tudo. Nele todos os opostos se encontram, fundem-se e tornam-se um só. Por causa do conceito de Deus como pessoa é que foi criado um Demônio contraposto. Se assim não fosse, onde se colocaria a culpa das negatividades?
Mas o positivo e o negativo coexistem, não são coisas separadas, assim como o ser humano não é distinto ou separado do ser divino. Deus não pode ser dividido ? Ele é indivisível! Abandonemos todos os conceitos e só então estaremos prontos para dar o primeiro passo. Devemos buscar Deus sem conceitos, sem nenhuma ideia na mente a Seu respeito. Estando-nos vazios nos tornamos uma porta por onde Deus entra. Somente a receptividade é necessária, o resto é dispensável. Nada de conceito, filosofia, religião ou doutrina. Isso é sectarismo.
Escolher um extremo ainda é lógico, racional; a razão está trabalhando. Escolher os dois ao mesmo tempo é irracional, a razão confunde completamente. É Deus que deseja em nós e é Deus que se torna sem desejos em nós. Isso é aceitação total. Não há o que escolher, pois Deus é tudo. Nisso o ego simplesmente desaparece, porque ele existe com a escolha. Se não há nada para escolher e tudo é como é, nada pode ser feito e Deus é tanto uma coisa quanto outra. Um dos males da mente humana é se fixar, perder a flexibilidade que é vida.
Flexibilidade é ser como uma criança que responder ao momento sem nenhuma ideia preconcebida; é perceber a situação e responder diretamente, imediatamente. A ação surge através do confronto entre nós e a situação, ou seja, não vem da mente ligada ao passado.
Se o carma fosse individual, então não poderíamos abandonar o ego. Se a compreensão de Heráclito for entendida, saberemos que não existem indivíduos como ilhas, pois somos parte de um todo. Assim, nem mesmo o carma é individual. Isso implica em muitas coisas, abre-se uma vasta dimensão.
Isso significa que sempre que um pecado é cometido, o todo está envolvido e a responsabilidade é de cada um, mesmo que o pecador em si esteja do outro lado do mundo. Assim também sucede com a iluminação que desperta a possibilidade de libertação para o todo. Sempre que fazemos alguma coisa, o todo está envolvido. A nossa responsabilidade é grande. E não se trata apenas de acabar com o próprio carma, pois a nossa biografia particular é toda a historia do mundo. O que quer que façamos, Deus está fazendo; e o que quer que sejamos, Deus é; e o que quer que venhamos a ser, Deus será.
Não estamos só, somos o destino do todo. Quando sentimos que não somos ninguém, a primeira semente da prece entrou em nós. Quando sentimos impotência, então paramos de nos esforçar e a prece dá um segundo passo. Quando estamos realmente impotentes, nem sequer conseguimos exigir e desejar algo de Deus, pois percebemos que só resta algo a fazer: entregar-nos obedientemente a vontade divina. Quando temos um coração inocente, nos maravilhamos com qualquer coisa, pois tudo nos causa surpresa.
A vida não tem objetivo. É uma celebração. Não tem nenhum propósito, é um ir a lugar nenhum. É um simples deleite em ir, sem ir a lugar nenhum. É uma brincadeira que cobra sinceridade, e não seriedade. Onde quer que estejamos, essa é a meta. Aqui, agora, toda a vida se converge a nós mesmos: é preciso celebrar esse momento na sua totalidade.
Uma pessoa não mundana não é orientada para um objetivo, e seu agui-agora se torna o infinito.
Ela anda por todos os caminhos e permanece inatingível. Um homem que conhece a si mesmo jamais é fanático. Ao se conhecer ele percebe que existem milhares de caminhos e são infinitas as faces da verdade. É por isso que Heráclito está completamente esquecido, pois jamais criou uma seita ao seu redor. Tinha seguidores, mas jamais declarou o que quer que seja enquanto sendo uma única verdade.
Os psicanalistas dizem que um homem que é interiormente hesitante sempre cria uma certeza exterior. Ele teme a própria incerteza e por isso se prende a certas informações. Um homem que é seguro interiormente não se importa: pode hesitar sem medo. Um homem de compreensão e sabedoria hesita, pois não sabe o que acontecerá às suas palavras. O paradoxo é usado apenas para lhe dar a sensação de que o homem não está declarando nada, está simplesmente tentando enunciar o fato. E se o fato é complexo, que seja.
Se ele é contraditório, que a afirmação seja também contraditória, mas que seja um reflexo verdadeiro. Deus não é uma pessoa, é tudo o que acontece, é a existência. Se nós pudermos sentir que todo momento é divino, tudo será sagrado. Mas se não pudermos sentir isso, podemos ir a todos os templos e igrejas do mundo e a situação de vazio interior permanecerá a mesma. É preciso uma transformação interior, uma reorientação psicológica.
É preciso encontrar uma maneira nova de olhar para as coisas, de encarar a vida. A vida será perdida se estivermos atrás de objetivos, pois a vida é uma brincadeira sem propósito. Ela não leva a lugar nenhum; basta apenas se divertir. A mente sim procura um objetivo, ela é ambiciosa. Se não há nada para adquirir ou desejar, a mente bloqueia ? e em verdade esse é o único esforço válido e necessário. Quando conseguimos ultrapassar essa barreira do ego e viver o bloqueio da mente, então começamos finalmente a celebrar a vida.
Tornamos-nos uma flor a desabrochar sem nenhum propósito. Entre uma criança e um adulto existe um abismo exatamente por causa disso: a criança vive na dimensão da brincadeira. Um verdadeiro sábio pode entender uma criança, porque também é criança. Sejamos como uma criança, ela brinca, não está interessada em conseguir nada com isso. Um sábio aceita tudo. Para ele desaparecem os moralismos, as distinções caem por terra; tudo é santificado e todos os lugares são sagrados. Um sábio é uma criança renascida.
O segundo nascimento é mais real do que o primeiro, pois o ser dá a luz a si mesmo: é a transformação de voltar a ser criança, inocente, puramente feliz. As razões, os porquês, os planos e projeções, tudo isso perde a importância para quem aprende a viver sem exigir nada, apenas apreciando a vida em si como uma dádiva eterna. Um homem assim não precisa orar nem meditar, pois ele já é cheio de graça. Não é uma prece ou meditação que funciona, mas sim a qualidade do estado de prece que vivemos em tudo o que fazemos, na maneira de encarar cada fato da vida. Prece é entrega e contemplação silenciosa da harmonia oculta.
A felicidade é um fenômeno diferente do prazer ? é um estado de ser. Tentar ser extraordinário é suicídio; é um suicídio gradual, um envenenamento lento de todo o sistema. Renda-se à existência, flua com ela, onde quer que ela vá ? quer queira quer não, vá aonde ela for. Por que ter um objetivo pessoal? Por que não se mover com o destino do todo? Por que nos preocuparmos tanto em conseguir algo por nós próprios? E como conseguir?
Nós não podemos ? é simplesmente impossível. Somente o todo tem um destino, nós não. Só o todo está indo a algum lugar, nós não. Se nos rendermos ao todo, conseguiremos tudo, pois nos transformaremos no todo, e o destino do todo se tornará o nosso destino, o objetivo do todo é o nosso objetivo. O todo é feliz aqui e agora, é cheio de graça aqui e agora. E a grandeza não está nas coisas, mas sim na qualidade que damos à vida, às coisas comuns.
Tudo o que acontece nesta existência afeta a todos. Não apenas agora: tudo o que aconteceu no passado está nos afetando. E não é apenas isso: tudo o que vai acontecer no futuro também está afetando, porque toda a existência culmina neste momento; passado, presente e futuro convergem e culminam. Deus parece ser um truque da mente para jogar a responsabilidade sobre os outros, pois a mente está sempre fazendo isso. Seja o que for que aconteça, o ser humano tem a tendência de jogar a responsabilidade em alguém. Se estiver com raiva, alguém o insultou e esse alguém provocou a raiva.
Se estiver triste, alguém e está infelicitando. Se estiver frustrado, alguém está bloqueando o seu caminho. Sempre alguma outra pessoa é responsável. Se nós somos responsáveis, imediatamente nos tornamos senhores para fazer alguma coisa. Podemos mudar as nossas atitudes que não estão ajustadas ao sistema total de energia.
É isto o que significa pecado: estar desajustado, sem saber se mover nesse sistema total de energia. E o sistema de energia é neutro. Se o obedecermos, seremos felizes. É assim que as coisas são. Se formos contra a natureza, seremos miseráveis. Miséria não significa mover contra a natureza; e a miséria é uma boa indicação se a entendermos.
Ela mostra que em algum ponto estamos errados, só isso. A angústia, a ansiedade e a tensão indicam que em algum lugar alguma coisa está errada. Isso adverte que não estamos com o todo e que em algum lugar começamos um movimento privado. A energia é neutra, portanto, toda a qualidade do nosso ser depende de nós. Podemos ser felizes ou infelizes, e isso depende de nós. Ninguém é responsável.
Nós criamos Deus a partir do nosso próprio medo, necessidade e desejo. Sentimo-nos tão impotentes em nossas misérias, tão impossibilitados, tão desamparados em nossa dor, que por medo criamos um Deus a quem possamos rezar, a quem possamos dizer ?não me dê tantos problemas?; a quem possamos venerar e sentir que se nós o veneramos, cada vez Ele será mais favorável a nós.
Mas Deus não é preconceituoso e não oferece seus préstimos em troca de prece. Nós criamos Deus a partir dos nossos caprichos. Sentimos-nos impotentes e projetamos Nele tudo o que deixamos passar. Se formos impotentes, dizemos que Ele é onipotente. Se formos ignorantes, Dizemos que Ele sabe tudo. Se nos sentimos perdidos no caos do mundo, dizemos que Ele é onisciente. Isso é um truque da mente. Tudo o que perdemos em nós mesmos, projetamos Nele, e então pensamos que o equilíbrio foi recuperado.
Orar é sentir fluir com a natureza. O que falamos numa oração não afeta a existência. Afeta a nós mesmos, e isso pode ser bom, mas rezar não vai mudar a mente de Deus. A única prece que tem valor é aquela onde nós podemos mudar. Devemos ser simplesmente um veiculo, permitindo que a energia de Deus una-se à da terra. O livro ensina um método (prece corporal) de levantar os braços silenciosamente para o céu, com as palmas voltadas para cima, e depois curvar-se e ?beijar? o chão. Isso desbloqueia os chakras, devendo ser feito sete vezes antes de deitar para dormir.
A prece é esse imergir na energia. Ela nos muda e quando nós mudamos, toda a existência muda para nós. Não é que a existência esteja de fato mudando, mas nós fluímos com ela e isso faz toda a diferença. Não há nenhuma luta, nenhuma disputa. Não há nenhum Deus, mas todos são divinos.
Quando não há nenhum Deus somos livres, totalmente livres. Deus enquanto manipulador não existe, fazendo-nos de marionete, com todas as cordas presas em Suas mãos. Se quisermos ser miserável a escolha é pessoal. Se quisermos ser felizes é a mesma coisa. E se quisermos ser felizes sendo miseráveis também é por nossa conta.
Noventa e nove por cento das pessoas falam a respeito de suas misérias e as engrandecem na tentativa de serem dignos de compaixão.
Sem nenhum Deus não há destino, o futuro permanece aberto, tudo é fluidez. A energia em si tem um guia interior, intrínseco. Se formos guiados pelas nossas percepções interiores, podemos ouvir o nosso coração e não há necessidade de nenhuma disciplina. Podemos mover em completa confiança e tudo será bom. Heráclito diz que tudo se move por uma harmonia interior. Quem está controlando as arvores? Quem as ensina a hora de florescer?
Quem diz as nuvens qual é a hora de chover? Se houvesse um Ser por trás disso as coisas não dariam certo, pois como algo tão vasto, imenso e grandioso pode ser controlado?
Se houvesse um Deus como as pessoas imaginam, até Ele já teria ficado doido. O mundo só pode permanecer no cosmo porque a harmonia não está sendo forçada de cima, ela vem do interior. O interior precisa ser encontrado porque a sociedade o confundiu completamente.
O interior se baseia no desejo ardente e a saciedade; o exterior se baseia na cultura, na sociedade, na civilização, na educação, nas religiões, etc. A mente é passado, é memória acumulada. E se você olha através da mente, ela atribui uma mortalidade e velhice a todas as coisas, então tudo parece empoeirado e sujo por causa da mente. A existência não tem passado.
O passado faz parte da mente. A existência está sempre no presente, é nova, fresca, sempre se movendo, uma força dinâmica, um movimento dialético como o fluxo de um rio.
Se entendermos isso, nunca ficaremos entediados. A juventude é uma qualidade do ser. Se conseguirmos olhar para o mundo sem a mente, permaneceremos sempre jovens. Nada é igual. Tudo continua mudando. Só a mente está velha e morta. Ser capaz de olhar para a vida sem a mente é meditação.
A tendência da mente é interpretar, mas nisso nos fechamos. O pensamento é um mundo privado que nos enclausura a nós mesmos. Para ouvir o inexprimível teremos de calar as palavras, porque apenas os iguais podem se ouvir, apenas os iguais podem se relacionar.
Ao lado de uma flor, sejamos uma flor. Banhando num rio, sejamos parte do rio. Isso é comunhão. A natureza fala milhares de línguas, mas não uma linguagem. Desejar significa projetar o seu passado no futuro, e o futuro é desconhecido, assim como tudo o que você pedir do passado. Todo desejo está repetindo o passado. Como podemos desejar o desconhecido? Como podemos desejar aquilo que está no futuro? O futuro é desconhecido, o passado é conhecido. Se desejamos, esse desejo vem do passado.
O que fazer então? Não deseje.
Deixe que o futuro venha sem que seja desejado. Já está vindo.
Não precisamos forçar sobre ele nossas projeções. Sejamos passivos em relação a ele. Não peçamos nada! Espere o futuro sem nenhum desejo e tudo lhe acontecerá a partir do Todo. Somos miseráveis por causa dos desejos, pois quando eles partem do passado, carregam consigo uma bagagem de problemas já vivenciados. Não deseje abandonar os desejos, troque qualquer esforço pela compreensão que é transformação e liberdade.
A menos que esperemos o inesperado, jamais encontraremos a verdade, porque ela é difícil de descobrir e ser alcançada. A natureza ama se esconder, ela é um mistério. Não é uma questão nem um enigma a ser solucionado. É um mistério a ser vivido, desfrutado e celebrado.
Entregar-se a esse mistério é cercar-se de carisma. O carisma significa que existe alguma harmonia oculta entre a superfície e o centro, e nesse caso a personalidade tem um magnetismo, algo divino. Prendemos-nos a vida porque ela não está sendo satisfeita. Nunca se foi jovem e a velhice está batendo a porta. Nunca se amou e a morte está chegando. Se vivermos bem, o apego à vida desaparece.
Se não vivermos bem, ficaremos sempre sonhando sobre como viver. Nossa essência é permanente e eterna, mas nós somos mutáveis e transitórios enquanto partes de uma totalidade que carrega consigo uma energia vital infinitamente vasta de possibilidades, aprendizados e vivências ? e esse é o paradoxo dos opostos que se harmonizam num equilíbrio único. Quando queremos tornar as coisas permanentes, criamos um inferno a nossa volta. Entendendo isso damos fim a expectativa e a frustração, pois compreendemos na prática que cada momento é único, incomparável.
A vida em si é um eterno movimento para dentro do desconhecido. Não há necessidade de fazer nada, precisamos apenas fluir. Heráclito diz que a mudança é Deus e que ela é a única permanência que há no mundo. O sofrimento só existe para que sejamos felizes. É através da doença que o corpo se fortalece na saúde, pois a natureza sabe curar, restaurar e aperfeiçoar a si mesma naturalmente. O oposto nos oferece frescor e não deve ser temido, pois faz parte do fluxo da vida. A natureza sempre vence, pois ela é mais sábia do que todos os cientistas juntos.
A infantilidade consiste em querer as coisas imediatamente. Sempre que estamos pronto às coisas acontecem, e até mesmo essa prontidão acontece na devida estação. Tudo vem por si mesmo. A existência é vasta e não podemos forçar nosso próprio caminho sobre ela. Precisamos observar para onde ela está indo e obedecer. Essa é a diferença entre o sábio e o ignorante. O ignorante está sempre forçando a vida de acordo com suas ideias próprias. O sábio não tem ideias próprias, ele simplesmente flui junto à natureza. É como uma nuvem branca no céu: ela não sabe para onde está indo e nem se preocupa com isso, pois onde quer que o vento a leve, essa será a sua meta. A meta não é um fenômeno fixo. Onde for que a natureza nos leve, se permanecermos num deixar acontecer, onde quer que ela nos leve, nós seremos felizes.
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