Baseado em fantasmas reais

Baseado em fantasmas reais Rafael de Oliveira Fernandes




Resenhas -


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Bruna Lima 24/05/2024

Quando li a sinopse desse livro fiquei curiosa pela forma como iria desenrolar e a razão do título, ao final da leitura fiquei satisfeita com o resultado.

Uma mistura de nostalgia, mistério e tons às vezes de melancolia, a trama nos conduz para um enredo envolvente e reflexivo, em que memórias são fios condutores num tempo incerto. A não linearidade da história chama atenção, particularmente gostei muito (isso pode variar de perfil de leitor), pois, traz um aspecto de uma espécie de ?colcha de retalhos? bem instigante.

Com uma escrita que em momentos percorre uma característica mais poética, o autor explora temas como vida, morte, perda, luto, abandono, afetos, laços afetivos e escolhas, proporcionando ao leitor insights, e até mesmo sentimentos de encantos devido às referências apresentadas, que foram bem colocadas nas passagens.

A relação entre os personagens é algo interessante de acompanhar bem como as trocas ao longo das páginas, mostrando assim um bom desenvolvimento.

Mais uma leitura nacional que vale a pena tirar um tempo para conhecer, afinal, todos temos seus fantasmas.
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Arieska 18/04/2024

Baseado em fantasmas reais
Nesta obra "Baseado em fantasmas reais" o autor Rafael de Oliveira Fernandes compartilha seus pensamentos, reflexões e acontecimentos em torno de algo que o marcou muito: o desaparecimento de sua mãe.

Inicialmente dada como morta pela polícia apesar de nunca encontrarem um corpo, a dúvida surge quando um manuscrito é encontrado nos pertences deixados pela mãe, o que leva a crer que ela poderia ter fugido e estar viva. Essa descoberta atormenta o autor e o acompanha constantemente através de lembranças e associações. Mesmo os momentos mais mundanos e simples de seu dia a dia podem fazê-lo se lembrar desse fantasma que o acompanha.

Apesar de esse estilo literário não ser algo que costumo consumir, eu fiquei contente em ter a oportunidade de receber e ler essa obra. Me deu um ponto de vista até então desconhecido sobre a realidade humana e me surpreendeu com o tipo de narrativa. É um presente valioso que manterei feliz em minha estante.
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kaunescau 15/03/2024

Baseado em Fantasmas Reais, livro de Rafael de Oliveira Fernandes, é um livro encantador, que nos traz um sentimento de nostalgia e mistério, muito envolvente, e que nos leva a refletir e questionar quantos fantasmas temos em nossa volta, sejam eles reais ou imaginários, histórias ou memórias. Gostei de muitas passagens desse livro, e eu gosto muito quando a leitura é intercalada no tempo. É um livro com uma história que nos intriga e nos esclarece ao mesmo tempo, com uma escrita bem fluída e lírica.

Me identifiquei muito com a personagem Nina e seus gostos, o que me levou a pensar muito no meu passado como o narrador fazia, e pensei muito sobre os fantasmas do meu passado.
Posso dizer que é um livro sobre sentimentos, o sentimento da perda, do abandono e da solidão que o narrador compartilha conosco com muito cuidado. O sentimento de procurar sem saber o que vai encontrar, se vai encontrar, quando vai.

Podemos dizer que todos passamos a vida toda buscando algo ou alguém, mas não podemos nos concentrar apenas no objetivo final, temos que aproveitar o que nos acontece no presente, e principalmente ser feliz com quem estamos compartilhando nossas vidas agora.

"...Nina disse na ocasião: "As pessoas, as histórias delas ao menos ficam, são passadas através de outras pessoas. É isso que está fazendo comigo, não? ... Acho que o que falou um dia pra mim é verdadeiro de certa forma. Quem morre, ou não está por perto, sobrevive na vida dos outros, ainda que, muitas vezes, na forma de fantasmas."
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Lets Aquino 08/02/2024

Sobre os fantasmas que carregamos...
Baseado em fantasmas reais traz um personagem que vive em volto às suas lembranças e seus próprios fantasmas.

Em sua adolescência, sua mãe sai de casa um dia e nunca mais volta, deixando-o órfão com sua irmã mais nova, e um vazio em suas vidas que nunca fora preenchido, à não ser pela dúvida do que realmente acontecera.

Sua irmã, na tentativa de descobrir o houve no passado e na causa do sumiço da mãe, acaba por entregar-se à depressão, deixando-o solitário no mundo.

O narrador-protagonista passa os dias voltando sempre ao passado em um lirismo um tanto saudosista, o personagem relembra momentos de sua juventude, dos amigos que tivera, da história de seus avós e da infância de sua mãe, de como fora seu desenvolver, o distanciamento de sua irmã, como lidaram com o desaparecimento da mãe e da dor de terem que passar por um luto e um enterro metafórico. Existe na narrativa um jogo entre o passado e o presente, é sempre um paradoxo, há sempre elementos que remetem o passado do personagem enquanto ele vive o presente, inclusive na lanchonete à lá anos 60 que frequenta.

Tenta buscar meios e pistas para achar sua mãe, mas ele próprio tem uma melancolia que o deixa letárgico, até encontrar uma adolescente na lanchonete e, juntos, procuram Donatello, o gato sumido da menina.

Seus dias ganham uma nova cor ao começar esta amizade inusitada com Nina ? o personagem anseia por companhia, por família e, por um momento, ele encontra isso nesta adolescente que busca alguém que possa ajudá-la na procura de seu gato.

O livro possui uma narrativa poética e ao mesmo tempo sombria, cheia de mistérios e situações que remetem o sobrenatural, me lembrou um pouco os contos de Poe, parece que estamos o tempo todo à espreita, esperando o que vai acontecer na esquina seguinte.

Passeamos nos desvaneios desse personagem solitário que vê em Nina, uma menina que poderia ser sua filha, uma motivação para seguir em frente e, na impossibilidade de encontrar sua mãe, procura encontrar este gato.

Os personagens são bem construídos, há muitas citações de cultura tanto dos anos 80 quanto contemporânea, e um breve spoiler do filme Psicose, se não assistiu ainda, cuidado com essa parte (!) para os nascidos dos anos 80 haverá uma conexão com o personagem, nos filmes e nas músicas, assim como para os que nasceram nos anos 90/00 vai se conectar com os gostos de Nina.

É um livro fluido e instigante, vale a pena a leitura para desvendar essa incógnita que paira por toda a narrativa e nos prende até o fim.
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Marjory.Vargas 16/07/2023

“Quem morre, ou não está por perto, sobrevive na vida dos outros, ainda que, muitas vezes, na forma de fantasmas.”

O livro conta a história de um personagem – que só descobrimos quem é nas últimas páginas –, que está lidando com todas as incertezas da vida. Sua mãe desapareceu misteriosamente há tantos anos que foi declarada morta. Sua irmã também passou por esse trauma, e agora, na vida adulta, passa por outra situação delicada. A jovem amiga Nina, sempre em busca do seu gato Donatello e que é quase como uma filha para nosso protagonista. E, voltando ao passado, sua relação com Luciana e a mãe da jovem, Ana, que retorna à sua vida para esclarecer o que aconteceu com sua mãe.

O sumiço da mãe é um fantasma que acompanha o narrador/protagonista durante toda a vida. A perda da irmã Carolina, que entra em coma profundo, é outro fantasma que passa a conviver diariamente com nosso protagonista. A própria lanchonete onde o protagonista conversava com Nina, nomeada de “Anos Dourados” é outro fantasma na sua vida.

O livro é todo narrado pelo protagonista, num texto corrido, sem diálogos. Demorei um pouco para me habituar a essa escrita, mas a leitura flui muito bem. Perda, luto, afeto, sentimentos, explicações e aceitações permeiam o enredo da história. Apesar de não trazer grandes acontecimentos, o romance nos faz refletir, sobre nossa vida, nossas escolhas e sobre os nossos próprios fantasmas, que ninguém mais conhece, mas que estão presentes nas nossas vidas.

Essa é mais uma obra nacional, e te convido à conhecê-la!
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Alana.Leitao 25/04/2022

Baseado em fantasmas reais
?Um livro que eu tive o prazer de ler e me deliciei com a leitura, foi uma experiencia maravilhosa que me deixou pensativa e conseguiu me segurar dentro da história com o cenário bem construído e escrita fluída. A história do nosso personagem principal vai alternando, de vez em quando conta sobre a época que sua mãe desapareceu, de vez em quando conta sobre sua irmã e de quem um dia foi sua amiga, a Nina.

?A Nina é uma personagem bastante peculiar e está a procura de seu gatinho de estimação Donatello, ela e o personagem principal tem isso em comum: o sumiço de um querido. O livro traz algumas partes que beiram entre a realidade e o místico e é bastante intrigante uma personagem chamada Ana que afirma poder ajudar o nosso personagem ( que só revela seu nome no final do livro).

?Gostei muito do ambiente que o autor criou com a lanchonete Anos Dourados que é um estabelecimento com a temática da nostalgia dos anos 60. O autor deixa espaços no qual conseguimos traduzir esse personagem como alguém com conflitos internos por causa dos fantasmas que o segue.
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Nayana 30/01/2022

Recomendo!
"Baseado em fantasmas reais", de Rafael de Oliveira Fernandes, Editora Patuá.

Os pais são sempre pessoas muito misteriosas e interessantes para os filhos, e por mais que busquemos a vida toda decifrá-los como humanos, o que nos mostram são parciais, como um papel de pais e não de homens e mulheres totalmente. Acho que isso começa a se mesclar um pouco mais quando envelhecemos, e entendo o pedaço perdido da relação e da formação de um filho que perde os pais cedo demais.

"Baseado em fantasmas reais" me fez sentir profundamente. O livro consegue narrar de uma forma leve e gostosa temas muito sérios, me senti embalada na escrita do Rafael, tentando entender sua perspectiva e suas frustrações.

O livro é sobre um personagem (que só é nomeado nas últimas páginas) lidando com a vida, vida essa que contou com o desaparecimento misterioso da mãe quando ele ainda era jovem. Sua relação com a irmã, que também passou por esse trauma, é abordada de uma forma triste, e sua relação com a jovem amiga, Nina, bem como demais conhecidos e amigos é leve, até feliz e um tanto inocente.

O romance te faz refletir e te instiga a preencher os vazios da história, bem como se colocar muitas vezes no lugar dos personagens. Acho que todo mundo tem alguns fantasmas reais em quem basear suas histórias.

Recomendo demais a leitura, foi uma experiência incrível!
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Krishnamurti 21/04/2020

A penosa busca do equilíbrio humano
A escritora Marina Colasanti escreveu: “Literatura é isso, um texto com face oculta, fundo falso, passagens secretas, um texto com um tesouro escondido que cada leitor encontra em lugar diferente e que para cada leitor é outro.” Sem dúvida. O jogo da ficção pode (ou não), violar probabilidades. E o leitor, por sua vez, faz as simpáticas e generosas concessões quanto a isto, porque convenhamos, o texto não é neutro, intocável, ele ganha vida través da imaginação do leitor, não diz apenas o que deseja, é o leitor que permite a partir das vivências de seu cotidiano, e sua capacidade múltipla de construção de sentidos (que também são suscitados e vividos justamente pelo texto), criar novas articulações, interpretações e desfechos possíveis. Disto decorre uma conclusão. Quanto mais hábil for o autor em provocar esses sentimentos e sensações no leitor, e tanto mais este exercitar a atividade de abstração, que se repercute na capacidade de imaginar, estimulando seu pensamento criativo, maior será a comunicação entre texto e leitor. E dá-se aquele delicioso encanto que é ler Literatura.

O romance “Baseado em fantasmas reais”, do escritor Rafael de Oliveira Fernandes não é texto fácil. Transita entre as esferas do prosaico cotidiano, o lirismo saudosista do narrador e, finalmente, um metafísico com pitadas de fantasioso. O narrador é comunicado por sua irmã que descobrira um caderno da mãe – tida e havida como desparecida e provavelmente morta por um assaltante -, onde está escrito por ela mesma, um misterioso texto que deixa entrever que talvez ela mesma tenha tomado a atitude de sumir-se no mundo abandonando os dois filhos. Permanece o mistério para os dois irmãos que iniciam uma verdadeira busca pelo paradeiro da mãe. Pelo texto depreende-se que a pobre mulher cheia de problemas existenciais entre eles o de ter que criar os dois filhos sozinha, um belo dia simplesmente despe-se e cai no mundo completamente nua. Desaparece como num passe de mágica. Teria sido assim? Por quê? Para onde teria ido? Esse o ponto de partida da trama eivada de simbolismos e metáforas.

Os irmãos são sendo levados para a casa de uma tia onde acabam de ser criados e já adultos é que descobrem o tal texto. O narrador, na busca que empreende por notícias da mãe conhece uma garota de dezessete anos, chamada Nina que por seu lado também sofre o desaparecimento misterioso de seu gato de estimação. O forte sentimento de perda se agrava muito depois que ele tem a irmã internada em coma profundo – vítima de um acidente na banheira de sua residência enquanto tomava banho. Esses os fantasmas que rondam as vidas dos protagonistas e acabam por uni-los em forte e profunda amizade. De um lado um homem de 34 anos em forte crise existencial a procura de encontrar-se tendo como amparo apenas as memórias de sua curta convivência com a mãe, e farrapos de memórias. De outro, uma adolescente inteligente e sensível a querer entender o mundo brutal e sem sentido.

"Quem morre, ou não está por perto, sobrevive na vida dos outros, ainda que, muitas vezes, na forma de fantasmas." Lemos em certo trecho: O cenário em que boa parte do livro se passa é no interior de uma lanchonete de sugestivo nome: “Anos dourados”. Ali, numa ambiência de estilização temporal, tudo lembra os anos sessenta do século vinte. Inclusive o pessoal que trabalha na lanchonete. Os atendentes se vestem como ícones da cena cultural do passado como Marilyn Monroe e Elvis Presley. Neste cenário acontecem os principais diálogos entre o narrador e a garota Nina, alternando capítulos onde acompanhamos uma certa retrospectiva da vida do protagonista até onde sua memória alcança. Falamos mais acima de narrativa eivada de simbolismos. Alguns: parte da trama se desenrola no interior de uma lanchonete que reproduz um tempo que não mais existe. Símbolo de uma condição imprópria para o tempo em que ocorre, já que os eventos se dão em pleno século XXI. Tal paradoxo nos lembra a ausência de delimitação entre passado e presente como a que vivemos, onde o que interessa é o aqui e agora; O nome do tal gato da garota que desparece é Donatello, não porque lembrasse o escultor italiano que viveu na Renascença, mas, pasmem! Porque era o nome de uma das tartarugas ninja. Seriado televisivo que a mocinha meio punk “cabeça feita” assistia na televisão quando era criança. Veja-se a perda, ou melhor, desconhecimento de valores culturais. O que dizer então, o que pensar de figuras como os atendentes da lanchonete. Um cantor de romantismo piegas como foi Elvis Presley ou a sensualidade histérica da loura de cabelos brancos - Marilyn Monroe. É um cenário surreal com personagens idem.

Nessa levada meio louca temos ainda uma tal de Ana, mãe de uma coleguinha do protagonista que andava praticando uma espécie de espiritualismo de forças misteriosas. Os irmãos da tal Nina que iam assistir filmes de Alfred Hitchcock dentro de um cemitério e assim por diante. Isso sem falar da busca desesperada e por dias a fio do tal do gato desaparecido que aparece de uma hora para outra, num verdadeiro delírio imaginativo. Aí temos a ambiência do mundo hoje. O homem sempre a tentar se vestir a todo custo com os paramentos do ilusório – são inúmeras as referências a cobrir o corpo. A mãe, ou uma personagem criada pela mãe que some andando nua pelas ruas, o avô do protagonista que era alfaiate, a irmã do protagonista que perde a parte de cima do biquíni quando está tomando banho de mar na praia com os amigos, e é vista por todos. A nudez do corpo e o vazio da alma atrapalhada com tantos fogos de artifício da consciência. A querer descobrir o que está além da vida antes de viver a própria vida. Bichos complicadíssimos somos nós...

“Baseado em fantasmas reais”, se mostra como oportunidade do leitor ampliar as suas experiências de vida no momento que passa a imaginar, a preencher os vazios do texto, a perceber detalhes, a refletir e imaginar ainda outros silêncios, porque é justamente neste viés que exorcizaremos certos fantasmas e criaremos afinal mundos melhores em nossos corações e em nossas consciências.

Livro: “Baseado em fantasmas reais”, Romance de Rafael de Oliveira Fernandes – Editora Patuá – São Paulo – SP, 2019, 192 p. - ISBN: 978-85-8297-861-0
Link para compra e pronta entrega: https://www.editorapatua.com.br/produto/107197/baseado-em-fantasmas-reais-de-rafael-de-oliveira-
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Alexandre Kovacs / Mundo de K 29/12/2019

Rafael de Oliveira Fernandes - Baseado em fantasmas reais
Editora Patuá - 192 Páginas - Ilustração, Projeto gráfico e Diagramação de Leonardo Mathias - Lançamento: 2019.

Em seu mais recente romance, Rafael de Oliveira Fernandes faz com que os personagens compartilhem um mundo paralelo no qual vida e morte se confundem em um estado de permanente suspensão. O narrador-protagonista sofre com a angústia causada pela busca da mãe desaparecida quando ele e a irmã, Carolina, eram ainda adolescentes e a indefinição sobre o que de fato aconteceu no passado é um fantasma que os persegue desde então, afinal: "Quem morre, ou não está por perto, sobrevive na vida dos outros, ainda que, muitas vezes, na forma de fantasmas."

A descoberta de um antigo caderno de anotações da mãe sobre sonhos, incluindo a narrativa de uma mulher que repentinamente decide abandonar tudo e fugir de casa nua, faz com que os dois irmãos renovem as esperanças de que a mãe ainda possa estar viva, contudo uma nova perda irá assombrar o personagem principal quando Carolina entra em um estado de coma, ela própria se transformando agora em um fantasma: "Uma existência que em tudo era igual à morte. Ela era apenas um corpo, um corpo vazio, e seria assim nos próximos anos. Minha mãe, cujo corpo não se sabia onde estava, passava a ser uma memória, mas uma memória viva."

"A história da minha mãe recomeçara há cerca de três anos. Minha irmã estava em sua casa na Vila Mariana, onde morava sozinha, revendo alguns pertences de minha mãe. Eram objetos e roupas dos quais não nos havíamos desfeito quando ela morrera. Isto é, quando haviam declarado que estava morta, depois de anos sem qualquer notícia, sem sabermos se voltaria para nossa antiga casa. A Carolina, mudando algumas caixas de lugar para abrir espaço no guarda-roupa, encontrou um caderno e nele anotações da nossa mãe, algumas referentes a sonhos, outras a pensamentos que lhe ocorriam durante o dia. E, entre todas essas anotações, a história curiosa, quase uma narrativa, em que minha mãe parecia ter-se demorado algum tempo a mais, tomando um pouco mais de cuidado, e que lembrava muito a versão da polícia após examinar a casa e as possibilidades que fariam desaparecer uma mulher com cerca de quarenta anos, que cuidava sozinha dos filhos e, entre um e outro serviço, tentava sem sucesso a carreira de atriz." (p. 15)

A lanchonete "Anos Dourados" é um símbolo deste mundo paralelo que permanece em suspenso, ligação entre a nostalgia de um passado distante e a melancolia do presente, um local onde os funcionários atendem fantasiados de estrelas dos anos sessenta e decorado com mesas montadas com para-brisas e assentos acolchoados como se fossem automóveis antigos. Lá o nosso protagonista conhece e se identifica com uma jovem chamada Nina que circula diariamente pelas ruas do bairro à procura do seu gato fugitivo.

"O texto que encontramos no caderno da mãe era simples, falava de uma mulher que estava entediada, uma mulher como quase todas as outras do bairro que, de repente, numa epifania, desejava deixar aquilo tudo para trás. Falava em começar o texto, não em acabar. E, no entanto, a única coisa que eu entendia é que, de uma forma ou de outra, ficaria esquecido tudo aquilo que, durante anos, eu havia imaginado sobre a minha mãe. O que existia entre o período em que ela ainda estava com a gente e depois de encontrarmos o caderno. Eu havia lido cada frase, tentado decifrar cada interjeição, tentava achar um motivo, um destino provável para aquela personagem angustiada. Minha mãe falava, no texto, de uma pessoa que havia começado as tarefas da manhã há pouco. Tomava café da manhã, arrumava a cama, assistia a um dos diversos programas matinais sobre variedades e ia tomar banho até decidir que não queria fazer isso nunca mais." (p. 21)

O autor desenvolve alguns temas difíceis como são os fantasmas de nossas perdas, mas com um estilo direto e visual, que se lê com velocidade. Percebe-se a influência de Haruki Murakami, seja pela atmosfera de um mundo alternativo nas brechas do cotidiano das grandes metrópoles ou a presença dos gatos, criaturas mágicas que podem transitar entre os dois mundos, presença constante nos livros do autor japonês. Outra semelhança é o bom gosto musical nas citações da narrativa, truque que funcionou bem neste romance com bandas clássicas dos anos sessenta como: Doors, Beach Boys e Rolling Stones.

"Donatello era o nome do gato da Nina. Não porque gostasse do escultor italiano que viveu na Renascença. Mas porque Donatello era o nome de uma das tartarugas ninja no desenho a que assistia quando criança. As outras três eram Michelangelo, Rafael e Leonardo. Todos artistas renascentistas. De início, achei irreal que procurasse um gato com tanta obstinação. A diferença entre procurar minha mãe, ao passo que alguém procurava um gato, representava o mesmo abismo que havia entre o Donatello escultor e o personagem do desenho animado matinal. A convivência com a Nina mudou essa visão um pouco. A forma como falava do gato, a maneira como procurava me cativar, ainda que, de início, eu fosse mais um daqueles desconhecidos a quem ela mostrava a fotografia do Donatello e perguntava se o havia visto. Acho que o fato de eu também procurar, no caso, minha mãe, acabou unindo duas pessoas tão diferentes, quase de diferentes eras como se uma habitasse a Renascença e outra, o século XXI." (p. 47)

Sobre o autor: Rafael de Oliveira Fernandes, nascido em São Paulo, capital, em 1981, formado em Direito pela USP, autor dos livros de poesia "Menino no telhado" e Cadernos de Espiral (editora 7letras), e do romance "Vista parcial do Tejo" (editora Patuá).
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