Gabi 30/03/2022
*4,5
Aos 84 anos e após quase 50 anos de casado, António da Silva se vê diante da morte de sua grande amada e levado para um asilo para idoso por sua filha. Diante de tanto sofrimento e angústia, António se vê obrigado a encarar passado, presente e futuro, conviver com desconhecidos e isolado de sua família, essa que até então tinha sido seus únicos laços e aquilo pelo que viveu toda sua vida. Em um asilo, António também se vê diante da morte a cada minuto: idosos já beirando a morte e a temida ala da esquerda na qual a única visão dos quartos era o cemitério.
Meu primeiro contato com Valter Hugo Mãe não poderia ter sido melhor. O autor é de uma sensibilidade e sua escrita é tão poética que me vi emocionada, envolvida e abalada. A história fala sobre a velhice, sobre perdas, sobre família e sobre amizade. Mas o contexto social não sai de cena: António passa a ter que repensar sobre suas atitudes durante a ditadura em Portugal, sua tentativa de ser um cidadão comum e comportado, mesmo diante de tanta pobreza, que apenas quer defender sua família diante de um cenário tão violento e opressor, mas que, para isso, acaba denunciando aqueles que iam contra o sistema, apesar de acreditar, no seu interior, de que aqueles eram a única forma de esperança de algo mudar.
As emoções de cada personagem é profunda, seus medos são ilustrados por visões e devaneios, que nos fazem questionar se aquilo faria parte de uma tentativa de sobrevivência ou uma demência da idade. O asilo “idade feliz” é, na verdade, uma casa de pessoas sofridas, angustiadas, mas que ainda assim tentam criar laços para poder viver esse pouco tempo de vida restante da melhor forma possível. António não é um “senhorzinho fofo” ou qualquer caricatura que possa se ter de um idoso. Ele tem falhas, defeitos, e tenta encarar a vida agora, com 84 anos, sem sua tão amada esposa, com a grande decepção com uma filha e com o abandono de um filho, quando sua vida inteira apenas viveu para essa família. António tem defeitos, faz coisas erradas, mas tenta sobreviver diante de tanto sofrimento.