Bárbara 31/12/2020Um poema sobre a solidãoInicio esta resenha destacando o título do livro e o nome do autor, ambos grafados em letras minúsculas, por opção mesmo do autor, numa ideia magistral de aproximar a escrita da oralidade, compondo a "tetralogia das minúsculas". Durante toda a obra, não há uma letra maiúscula. Confuso? Um pouco, para quem não esperava encontrar tal forma de escrita. Todavia, com o avançar das primeiras páginas, a leitura passa a ser dinâmica e, sinceramente, isso não me atrapalhou. Isso será assunto de um post em breve, fiquem de olho!
Logo no início, conhecemos o Antonio Silva, um senhor de 84 anos que passa pela triste situação de perder sua esposa, com quem era casado há quase 50 anos. De uma hora para outra, além da dor da perda do amor de toda uma vida, foi levado (diga-se, deixado) num asilo, o "Lar da Feliz Idade", munido apenas de uma sacolinha e suas memórias.
O texto é um verdadeiro poema do início ao fim. Melancolia, tristeza, revolta, luto são temas recorrentes na escrita, com diálogos espetaculares que nos levam a inúmeras reflexões sobre a vida. Instalado num quarto com grades na janela, a teimosia de não querer ter mais alegrias na vida que lhe resta (pois lhe falta Laura, e isso é muita coisa) faz com que esse senhor seja visto como chato ou, como o próprio autor chama, "casmurro". Todavia, a convivência com pessoas da mesma idade - com histórias de vida diferentes e tortuosas quanto a dele - levam o senhor Silva a ter amizade com alguns personagens, como o senhor Pereira, o Silva da Europa, o centenário Esteves, entre outros.
É uma obra tocante, que trata de temas como abandono, morte, memória, solidão, nossas próprias omissões, mas também amizades e amor. Fala também do período da ditadura de Salazar (que vigorou em Portugal de 1932 a 1974), e de como o país foi afetado. É um livro reflexivo, em que a maior lição talvez seja a de que nunca deixamos de aprender, por mais velhos que sejamos, a vida sempre ensina, e que sempre vale a pena ser vivida. E, ainda que com o coração repleto de saudades, há sempre espaço para o novo, para o aprender.
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